terça-feira, 4 de janeiro de 2011

CONFITEOR I


PADROEIRO DA CIDADE E DA PROVÍNCIA DE SÃO PAULO

PRÓLOGO:

                   Transcorria o ano de 1940. Contava nove anos de idade. No ano anterior, falecera Francisco Pinto da Cunha, meu avô paterno e ícone. Fora minha primeira sensação de perda irreparável. Tenho dedicado toda minha existência à sua memória. Foi numa noite, período de missões na Fazenda “São Sebastião”. Estávamos na cozinha da Casa Grande. Minha avó, Amélia Augusta de Andrade e duas de suas irmãs, minhas tias Gabriela Augusta de Andrade, residente na cidade de São José dos Campos e Elvira Augusta de Andrade, em São Paulo, no Bairro do Jabaquara, filhas de Luís Manuel Augusto de Araújo e de Ana Cândida de Andrade, neta de Dom Manuel Joaquim Gonçalves de Andrade, V Bispo da Diocese de São Paulo, dissertavam sobre um romance do Príncipe da Igreja com uma mulher de rara beleza, após, favorita do Imperador D. Pedro I. E se diziam descendentes do prelado. Aquelas velhinhas, com vestes compridas, sobrepostas por xales austeros, era estação fria e estávamos nas montanhas, conversavam com desenvoltura. Narravam fatos, citando nomes, em épocas pretéritas. Aguçaram-me uma curiosidade tornada permanente.
                   Nesta noite, de vinte e dois de dezembro de 2.009, na Colônia de Férias do Centro do Professorado Paulista, em Mongaguá, quase sete décadas passadas, procedo à última revisão, de CONFITEOR I, relato decorrente de longa pesquisa, no Brasil, em Portugal, no Continente, onde residi e na Ilha da Madeira, visitada por mim, por cinco vezes.
                   Quanto à autenticidade, do envolvimento do Bispo com Domitila de Castro Canto e Melo, Carlos Lacerda, descendente de Maria Emília Gonçalves de Andrade, sobrinha de Dom Manuel Joaquim Gonçalves de Andrade, em sua última obra, A Casa de Meu Avô, comenta sobre um relógio, presente da Marquesa de Santos ao nosso ilustre antepassado.
São fatos fascinantes, dentro da História de Portugal e do Brasil.
                   Minha avó e seus irmãos herdaram a Fazenda “Montes Claros”, em São José dos Campos, com quatrocentos alqueires, onde foi criado o filho do Bispo, Capitão Manoel Joaquim Gonçalves de Andrade, primeiro Prefeito, Vereador e Juiz de Paz de São José do Parayba.
                   Dom Manuel Joaquim Gonçalves de Andrade foi Deputado, Conselheiro de D. Pedro I e exerceu, por várias vezes, a Presidência da Província de São Paulo. Primeiro Inspetor do Curso de Direito, que, para conseguir funcionar, contou com biblioteca doada por ele, que pertencera ao seu tio, Dom Mateus de Abreu Pereira, IV bispo da Diocese de São Paulo, a quem sucedera.


1. DE VOLTA AO PASSADO

                    Era o Vinte e Cinco de Janeiro de 1839, festejava-se a conversão de São Paulo, padroeiro da Cidade e da Província. Dias antes, Dom Manuel Joaquim Gonçalves de Andrade, V Bispo da Diocese de São Paulo, ordenara a publicação de edital, contendo as solenidades em comemoração ao “glorioso e maravilhoso acontecimento”. Seriam os atos principais: missa, sermão, procissão e exposição de relíquias.
                    Cerca de vinte clérigos cantaram, na Catedral, ao meio dia, em cerimônia da santa missa de réquiem (1). As senhoras, instaladas frente para o altar, com suas graciosas mantilhas escuras, que serviam de chapéu e xale, ornamentaram o ato inaugural do extraordinário evento.  Vários parisienses presentes ficaram impressionados com esse detalhe. As paulistanas não tinham rivais no Império, quanto à beleza e aos dotes que as exornavam (2), motivo de orgulho a pureza e nobreza de sua linhagem.
                  Às cinco horas da tarde, o clero, as autoridades e os fiéis, em procissão, saíram da catedral, desfilando pelas ruas principais, ao som de constante repicar de sinos. A cidade toda estava a postos para assistir ao desfile do cortejo. As janelas, estavam repletas de espectadores, enquanto, das casas dos mais abastados, pendiam finos damascos (3), em homenagem ao padroeiro da cidade.
Eram disputadas, naquelas ocasiões, as praças e ruas por onde passava a procissão; costumeiramente, Travessa da Sé, rua do Carmo, Largo do Colégio,  ruas da Imperatriz, do Rosário, da Boa Vista,  de São Bento,  Direita e os Largos de São Bento e da Sé, por onde desfilava uma massa humana, ao som e cadência impressionistas, interpretando função social.
Mawe notou, em 1808, que tais procissões “produzem um efeito chocante, devido à profunda veneração e ao zelo entusiástico do povo”.
John Mawe atracou, no porto de Santos, em fins de 1807. Em 1812 publicou, em Londres, seu livro Viagens ao Interior do Brasil, sucesso absoluto. Nos anos seguintes foi editado, em diferentes idiomas: russo, alemão, italiano e sueco. Nasceu em Derbyshire, no interior da Inglaterra. Tinha 41 anos, em 1805, quando partiu de Cadiz, na Espanha, para Montevidéu. Ao desembarcar, foi preso como espião inglês. Permaneceu, durante um ano, na cadeia. Em 1806, quando a cidade foi tomada pelo general inglês William Beresford, foi libertado. Passou por Buenos Aires, fretou um barco, vindo para o Brasil. Visitou Santa Catarina, Paraná e São Paulo. Foi recebido, pelo príncipe regente D. João, tendo sido primeiro estrangeiro autorizado a visitar as minas de diamantes de Minas Gerais. Vários estrangeiros, alemães, ingleses e franceses visitaram o Brasil, deixando livros, atestando sua passagem, registrando impressões e fatos de importância.
                   Cronologicamente, Mawe é o primeiro desses viajantes. Antecedeu a D. João VI. Sua subida da Serra durou três horas. Bem do alto, contemplou a paisagem e escreveu: “O mar, embora distante 20 milhas, deu-nos a impressão de banhar as fraldas das montanhas”. Permaneceu durante três meses em São Paulo, visitou outras partes do Brasil. Retornando à Inglaterra, estabeleceu-se como comerciante de pedras preciosas em Londres.


2. A PROCISSÃO, CENÁRIO RELIGIOSO.

                   Quando de um êxito desta natureza, a rua transformava-se num rico, amplo e continuado palco, por onde transitava uma sociedade urbana em formação. Era um esperado espetáculo para o qual todos se engalanavam. Vestido de sobreopa (4) e capa preciosa (5), à frente, caminhava o governador, em concomitância aos representantes do Senado da Câmara e dos graduados da Igreja. Repicavam os sinos, estouravam foguetes. No conjunto e na harmonia, percebia-se um ritual de característicos asiáticos, do Oriente, retumbante, sendo quanto maior a natureza do colorido, do ruído forte e reiterado na proporção dos movimentos humanos, consoante às tradições do povo. Repetia-se aqui, na antes e pós-Independência do Brasil, aquele mesmo espetáculo, vivido pelo prelado, quando ainda seminarista, nas procissões pelas ruas de Funchal; como acadêmico de Direito, nas cidades do Porto, Lisboa, Leiria e Coimbra. Reeditava-se a lírica, o mesmo empolgar de cruzados, quando de uma época de cavaleiros.   
                   Maximiliano, em 1815, em visita ao Brasil, não teve boa impressão das procissões no Rio de Janeiro, quanto ao hábito ruidoso de “atirar, nas ruas, em frente às portas das igrejas, fogos de artifícios com grande estrondo e alarido” (6).
                   Contudo, o que valia, em convencimento, era a vibração cívica, envolvimento amplo, profundo, espontâneo, integração total dos fiéis, momentos de delírio santo.
                   As irmandades, uma de pretos, outra de brancos, marchavam em alas. Cada irmão levava uma vela de cera, cujo comprimento era suficiente para servir de bordão (7), tendo sobre o ombro uma opa branca, vermelha ou amarela, indicando a ordem à qual pertenciam.
                   As imagens, de menor número que de costume, eram três: a da Virgem Maria com o menino Jesus, de São Pedro com as chaves e a de São Paulo. O Bispo caminhava fechando o séquito, assistido pelos lados por antigos sacerdotes. Os paramentos deles eram pouco menos vistosos que os seus.
                   Precedia, ao Bispo, o turíbulo (8) queimando incenso (9). Ouro e diamantes cintilavam na mitra (10) e, sobre a cabeça do príncipe da Igreja, abria-se o pálio (11) de seda. Levava, às mãos o cibório (12) de ouro, contendo a hóstia. Finalizando, vinha a banda militar e cem simulacros (13) de soldados, em uniforme da Guarda Nacional.
                   Quem via o velho bispo circunspeto (14), durante o percurso, teria certamente a impressão de que, naquela jornada, ia orando devotadamente.
                    Entretanto, desde a saída até o retorno à Catedral, curvado ao peso dos anos, o andar, a passos curtos, compassados, serviam-lhe para longa e profunda reflexão. Revia seus quase setenta e dois anos de existência. Isto porque, esta, tivera início na nascente de seu rio e iria até a morte do soma, quando sua alma passaria para o plano espiritual, voltando  à Vida, esta eterna.
                   Francisco de Assis Vieira Bueno, retrógrado e obsessivo, veladamente, não se conformava com sua conduta. Era um tipo invejoso e despeitado. Seu procedimento, o do Bispo, era o de um homem normal, muito bem sucedido. Se, era líder político, do Partido Conservador, tinha Fazenda de cafezais em São José do Parayba, com negros, estes não estavam sujeitos ao regime de escravidão forçada; em seu convívio, criara o filho, com seu nome e conforto, sempre o amara, profundamente, no que era correspondido. A maior parte de seu sucesso a ele tributava, era o estímulo para suas vibrações cívicas, humildade e desvelo. Ter filho, não cumprir o celibato, ir ao teatro, ser político, possuir fazenda, não eram motivos de escândalo. Mantinha estreitas relações de amizade com Domitila de Castro. Conservava, com carinho, o relógio com o qual lhe presenteara.  Libertinagem é muito comum às mentes poluídas, personalidades em desvio de conduta.
                   Vieira Bueno era desses infelizes, que permanecem em silenciosa e inquestionável solidão. Estes, não sabem como descrevê-la.  Contudo, é questão fática, solitários na multidão, carentes de existência introspectiva; porque quem tem vida interior, não padece de solidão.
                   A essência (15) está ínsita, impressa (16) no quadro genético, precede à existência, explicitando a memória das células. Era aquilo que foram os seus antepassados. Estivera na nascente do rio, donde viera. Suas reações reeditavam as lembranças arraigadas, questão antropológica.
                   * Francisco de Assis Vieira Bueno quando prestou exames para admissão na Academia de Direito, desentendeu-se com o diretor interino, o conselheiro José Maria de Avelar Brotero, sendo-lhe aplicada a pena de prisão acadêmica por três dias, pela Congregação. Formou-se em Direito em 1841 e logo recebeu a nomeação para promotor público da capital. Filiado ao partido liberal, demitiu-se em conseqüência da rebelião de 1842. Foi nomeado para presidente do Banco do Brasil, quando foi demitido por divergências com o Ministro da Fazenda, o conselheiro Carrão, paulista de Curitiba.
                   Enfim, seu ódio ao Bispo, Dom Manuel Joaquim Gonçalves de Andrade, decorreu por motivos políticos, eis que o prelado foi Presidente do Partido Conservador, exerceu a presidência da Província de São Paulo e foi deputado, em várias legislaturas.


3. COMO ENTENDO DEUS, A ALMA, A EXISTÊNCIA E A VIDA.


                   Deus é uma força imanente, fluído impalpável, energia motriz transcendental, entidade superior e anteposta a tudo o que existe, essência de todas as coisas, perfeição, que nos compete encontremos dentro de nós mesmos. Criou-nos à sua imagem e semelhança. À concepção, nos integramos a Ele. É o início de nossa existência, cujo término ocorrerá à morte do soma, volta ao pó.
                   A vida é eterna. Com ela voltamos à espiritualidade, da qual viemos, com o devido comprometimento em existências anteriores, estágios de purificação ou agravamentos. Ultrapassado um período, retornamos para novo resgate. Resolvidos os compromissos firmados, cumprimos nova existência, reeditando as anteriores. Assim, as existências são múltiplas; una, a vida.
                  A existência se circunscreve a um ciclo específico; a vida contém o espírito.
                   O corpo é animado pela alma. Cada morte é volta do corpo ao nada, com a liberação d’alma para a espiritualidade. É alívio.
                   Embora tenhamos o livre arbítrio, nosso querer tem seus limites. Os obstáculos, as devesas, os tormentos, têm natureza adversa. O teórico querer é poder é mais literário, aporia (17).
                            Nossa existência é como um barco lançado ao oceano. No leme, ora navegamos mansamente, ora os maremotos nos sacodem contra as ondas fortes e rochedos. Assim, somos marujos precários, néscios (18).
                  Contudo, em nossa individualidade, temos a própria missão. O importante é identificá-la, quase sempre impossível. E, nessa busca incessante, transitamos pelo tempo. Este não passa, passamos por ele, esse cósmico observador. É matemático, estatístico, nos calcula e, de forma geométrica, nos dispõe em seus múltiplos diagramas específicos. Isto porque não aprendemos o avaliar. Noss’alma é incapaz e escrava para sua interpretação.
                            Dessa forma, flutua o minúsculo barco, em sua insignificância. E nós, nautas precários, chegamos a nos entender como experimentados marinheiros, quando, na maioria das vezes, não chegamos à consciência de a que viemos e para onde iremos.
                  Somos navegantes ao acaso, desde a aurora (19) até o ocaso (20). Quando constatamos o fim da jornada, percebemos a busca da agulha magnética (21) na bússola (22), permanentemente distante e impossível. Navegamos, costumeiramente a barlavento (23).
                  Então, percebemos que as vaidades são humanas, porque os humanos não chegam à capacidade do próprio julgamento, não obstante se arvorem em juízes de atos alheios. Quanta estupidez absurda!...
                  Nossos tribunais, com juízes togados, muita empáfia, pouca sabedoria, honestidade e justeza, são, costumeiramente, fator de desagregação da sociedade, de atos abomináveis... São frequentes os casos escabrosos, em que determinados juízes julgam beneficiando os corruptos poderosos, estendendo-lhes a proteção de sua toga. Vejamos o julgamento do próprio Cristo, pelos judeus e romanos.


4. O JULGAMENTO DE JESUS CRISTO


                   Submetido à tortura, sustentou magnífica segurança e coragem. Quando o discípulo traidor, Judas, chegou com enorme escolta, portando tochas, a escolta se compunha de uma coorte. A coorte romana era composta de trezentos a seiscentos homens. Na derradeira ceia, horas antes, o Mestre dissera que seria traído por um de seus discípulos.
                   Judas traiu seu Mestre, pelo valor de um escravo, quando combinara entregá-lo. Toma a dianteira da escolta, dirigem-se todos ao jardim onde Ele estava. Consuma sua traição beijando, afetuosamente, o rosto de Jesus, eis que era esse o código de identificação.
                   Na noite de sua prisão, até ser crucificado, decorreram menos de doze horas; de sua crucificação até sua morte, cerca de seis horas.
                   Após ser preso, levaram-No à casa de Anás, que já fora sumo sacerdote, topo da hierarquia na religião judaica. Naquele ano, Caifás, seu genro, exercia esse elevado cargo.
                   Entretanto, Anás estava tenso, temia que a multidão, ao despertar, tomasse conhecimento de que Ele estava encarcerado. Então, logo que Jesus chegou, deu início ao interrogatório acerca de seus discípulos e sua doutrina.
                   Jesus não implorou clemência a Anás. Afirmou que seus discursos foram públicos, se quisesse resposta interrogasse aos que o ouviram.
                   Um soldado vira-se e desfere-lhe violenta bofetada, sem prévio- aviso.
                   Os soldados, de então, eram os mais fortes, treinavam o arremesso de lanças, manipulavam espadas, musculatura avantajada, muita força nas mãos.
                   Pedro negou Jesus na casa de Anás. Entrou disfarçado. Um criado lhe perguntou se era seguidor do Nazareno, negou. Questionado novamente, negou-O veementemente. Na terceira oportunidade disse: “não conheço este homem”. Entretanto, Pedro saiu abatido e desesperado.
                   Após a tortura na casa de Anás, este o levou manietado à casa de Caifás, sumo pontífice do ano. Reuniu-se ali o Sinédrio (24). O espetáculo era composto pelos sacerdotes, fariseus (25), herodianos (26), saduceus (27), mestres da lei, enfim, toda a liderança judia. Reuniam-se para decidir o fim que dariam ao Mestre de Nazaré, “conturbador da nação”.
                   Essa mesma liderança judia tentou forjar depoimentos, que pela incoerência não prevaleceram, fruto da pressa de condená-Lo. Jesus manteve-se calado. O silêncio é o mais sábio e eloquente dos discursos. Somente quem tem consciência de que nada deve, pode responder com o silêncio.
                   Os elementos componentes do Sinédrio transparecem sua fúria, quando bradam que Jesus era réu de morte. Apodera-se dos soldados uma fúria incontrolável. Aglutinam-se, em torno dele, aos murros, pontapés. Escarram-Lhe no rosto aos bofetões.
Jesus vai perdendo as energias, sai da casa de Caifás sangrando. Cambaleante, caminha para a fortaleza Antônia, onde se encontrava Pilatos. Era a vez da política romana julgá-Lo.
O Sinédrio desejava que Pilatos O julgasse célere e assumisse o ônus de sua morte. Os líderes judeus não queriam responder pela culpa do extermínio do escultor da alma humana.
                   Quando Jesus nasceu, era rei da Judéia e Galiléia, Herodes, o Grande. Temendo-O, mandou que os soldados matassem todas as crianças do sexo masculino com menos de quatro anos. Era o que se poderia esperar de quem havia assassinado seus filhos e a esposa, Mariana. Fora quem mandara matar João Batista.            
                    No episódio do Julgamento do Cristo, Herodes Antipas já substituíra o pai. Governava a Galiléia, desde a infância e juventude de Jesus. Ele participou do julgamento
                   Antes que a população organizasse uma revolta, os judeus foram apressados a Pilatos convencê-lo da execução de Jesus.
                   Três foram as acusações dos Judeus a Pilatos: agitar a nação, vedar o pagamento de tributo a César e de se fazer rei.
                   A pena de morte dos judeus era por apedrejamento. A crucificação era uma prática fenícia, após, adotada pelos gregos e, posteriormente, incorporada pelo império romano. Roma só crucificava escravos e criminosos atrozes.
                   Os judeus ponderaram nas conseqüências de apedrejar o mais amável e admirado dos homens de Israel. Atribuindo-Lhe a insolência de blasfemador, arquitetaram usar a política romana.
                   Pilatos retorna ao pretório e indaga se Jesus era o rei dos judeus. Jesus começa a interrogar Pilatos, para seu espanto. Pejorativamente, responde:  “a tua gente” é que O está entregando para ser julgado.
                   Indaga Pilatos: “Logo, tu és rei? Jesus responde: “eu para isso nasci e por isso vim ao mundo”, dar o testemunho da verdade. “Todo aquele que é da verdade ouve a minha voz”.
                   Pilatos fica estupefato. Só conseguiu balbuciar: “O que é a verdade?” Referia-se Jesus à verdade essencial, relacionada ao Autor da existência. Verdade geradora, fonte da criação, capaz de multiplicar pães, curar leprosos, restaurar a vida.
                   A sequência é bem conhecida. Restava-me a abordagem da verdade, porque esta é eterna, permanente.
                   - Nos tempos do Primeiro Império, ali na Capital da Província de São Paulo, vamos identificar o Ouvidor Cândido Ladislau Japiassu (28), mandando executar o médico e jornalista Líbero Badaró. O Juiz-mandante foi absolvido na Relação (29) e o alemão Stock condenado, em São Paulo.


5. RAZÃO E FÉ


                   Compete ao homem localizar-se no tempo e no espaço. Regra geral, ele nasce e morre sem identificar a essência de seu existir. Entretanto, compete-lhe o direcionamento, esse permanente reajuste de percurso, a ensejar a busca da felicidade, “equilíbrio entre seu mundo interior e o meio, que o cerca”. Eis a tentativa, o processo contínuo, objetivando a grande resposta: “A que vim? Onde estou? Para onde irei?”
                   Desde a época de Lao-tsé, Confúcio, Buda, Zaratustra (entre 800 e 200 a.C.), com o homem, em seu processo evolutivo, ocorreu a individualização, quando se identificou como pessoa (persona); Homo Sapiens se converte em Sapiens-Sapiens, toma conhecimento de si próprio. Fé e Razão se integram em única verdade, sem dissensão (30) ou ambivalência (31).
                   No Ocidente, desde o Renascimento (32), a unidade do ser humano, enquanto biológico e racional, cindiu-se em dualidade ambivalente e contrastante. A Razão e a Fé passaram a se caracterizar em pólos opostos, excludentes. Foi quando a razão, sem fé, perdeu a vitalidade necessária para o entendimento da existência humana.
                   A felicidade passou a ser, cada vez mais, escassa.
                   O homem tem progredido (materialmente), sem evolução (espiritual). Resta-lhe reconhecer o emblema de Deus, a unidade entre a Fé e a Razão, sem a qual nem o indivíduo, nem a própria Civilização poderão prosseguir sua jornada, em busca da Verdade, porque esta é essencialmente Eterna!...
                   * Zoroastro – reformador da religião persa ou masdeismo. Personagem considerado lendário e mitológico por alguns autores, embora os hinos Gathas, pertencentes ao Avesta, assegurem sua existência real. Nasceu, de acordo com Eudóxio, Plínio, Platão e Aristóteles, no século VII a.C., na Bactriana, Atropatena ou Irã Ocidental. Um dos maiores êxitos alcançados por Zoroastro foi a conversão do rei Zaratustra.
                   Eu que tão pouco sei de mim, sem jamais questionar ninguém, sempre entendi que compete a cada um de nós saber de si mesmo, formular seu juízo de valores, não se importando com a interferência indevida ou a conduta alheia. O silêncio é o mais eloquente e sábio dos discursos. As magníficas pregações nascem, vicejam e operam frutos em nosso mundo interior. A introspecção (33) é a raiz dos maiores espetáculos. O concerto universal está dentro de nós.
                   Refletir é interiorizar o pensamento, penetrar fundo no próprio ser, voltar às origens para verificação equilibrada e fantástica daquilo a que nos propusemos e o pouco que conseguimos realizar. Entretanto, o sucesso ou fracasso, ambos estão atrelados aos objetivos propostos e sua respectiva consecução. Jamais desejei avançar um só milímetro, além do possível ou imaginário.
                   Pareceu-me sempre de mor importância amar a própria liberdade, lutar por ela com todas as forças, impedindo interferências inoportunas.
Em minha melhor juventude, quando caminhava pela avenida ajardinada das esperanças, concebi: O dia em que perder meu ideal, terei fracassado duas vezes e chorarei, no muro das lamentações, a covardia de não haver vencido. Vencer, no sentido de transpor obstáculos com coragem e persistência. Gravitei, permanentemente, em torno de idéias, jamais de nomes. Estas, não pertencem a ninguém, estão presentes em toda parte, compete-nos captá-las, colocando-as em uso. Só é culto aquele que transmite o seu saber, sem egocentrismo, relacionado aos que o cercam.

6. VOLÚPIA (34)


                   Conta-se que, certa feita, o acadêmico de direito, Manuel Joaquim, vagava pela orla do Mondego, o rio dos poetas, ornamento e inspiração da Cidade da Saúde, dos fados e dos versos, Coimbra. Era um domingo, pela manhã. Chegava o dia de Natal, nascimento de Jesus.
                    Na direção oposta vinham casais jovens, universitários descontraídos. Não obstante estivesse a se ordenar padre, voltou ao seu quarto e escreveu uns versos, intitulados:


PRESSÁGIOS (35)

Que este Natal, em plena Lua Cheia,
Seja-te lenitivo de esperanças
E as ondas do oceano, muito mansas,
Venham beijar teus pés na branca areia...

Que as madrugadas sejam-te delírios,
Tantos prazeres íntimos, enredos,
Afastem-se de ti todos os medos,
Extingam-se os pesares, mil martírios...

Que o lençol branco, liso de tua cama,
Avermelhe-se, arda-se em chama,
No crepúsculo de um milhão de beijos...

Sejam felizes todos os amantes,
Vivendo plenamente seus instantes.
São estes meus auspícios, meus desejos!...


7. JÁ NÃO COBRO ESPERANÇAS


                   Eis que, ao término de minha jornada, ao fluxo de incertezas e devaneios, identifico a proximidade do encerramento da tarefa existencial. Os sonhos são fatos pretéritos, já não cobro esperanças, estabelece-se o conformismo absoluto, pouco me importam minhas saudades antropológicas, o que possam pensar ou dizer sobre minha pessoa, é indiferente. A auto-estima foi recoberta pela poeira levantada pelo galope dos anos.
                   Convenço-me de minha pequenez, satisfaço-me com o nada, embora jamais haja ultrapassado meus próprios limites. Não me expandi além de meu círculo limitado, para não invadir o de meu semelhante. Concluo feliz. Levo, para a esfera da Vida, esta eterna, o essencial em minha bagagem, modestamente acumulado na existência, efêmera. Daí porque, o pouco que pretendi não pesa neste transporte suave e cogente.
                   Assumo o que fui, conscientemente, arrependo-me daquilo que quis e deixei de exercer.
                   A despeito de críticas, do controle social primário ou secundário, disponho-me a comparecer diante do TRIBUNAL DIVINO com autenticidade, essa minha companheira solidária e permanente.
                   Direi: aqui estou, reconhecendo meu procedimento, na medida de meus ínfimos, pequeninos sonhos, limites de muita humildade. Importa-me a consciência de que nada representei, além de mim mesmo!...
                   Desde a saída até o retorno à Catedral, Dom Manuel Joaquim Gonçalves de Andrade, teria relembrado sua infância nas encostas da Ilha da Madeira, vestida de verde-forte, com picos parecendo espetados no céu, ressaltando bela e agressiva, com suas falésias (36) escarpadas (37), rendilhadas (38), levadas, condutos de água, rasgados pelo homem, através da Ilha, cujo destino é fertilizar as culturas nas regiões mais secas. Nascera, a 14 de março de 1767, na Freguesia do Campanário, na Quinta Grande, no lugar das Amoreiras, filho de Nicolau Gonçalves de Andrade natural do Campanário e de Maria de Andrade, de Ribeira Brava.
                   Na Madeira, o Campanário, suas laranjeiras, casas amarradas nas encostas, telhados bicolores, cinza e vermelho-pálido. Situada em pleno Atlântico, de formação vulcânica do período terciário. Orientada no sentido Leste-Oeste, com comprimento máximo de 58 quilômetros e uma largura por volta de 23, com a área de 736,75 quilômetros quadrados. Descoberta, por volta da primeira metade do século XIV, povoada por João Gonçalves Zargo, que chegou pela primeira vez, em junho de 1419, à baía, que recebeu o nome de Machico. Como pano de fundo, a Ribeira Brava, inserida no mar-oceano.
                   Constituem a Ilha da Madeira: a Câmara dos Lobos, alegre e graciosa, de povo rude, com suas bananeiras; o Campanário, seu berço; Ribeira Brava, fenômeno sensacional da Natureza; Madalena do Mar, praia cinzenta, casas rodeadas de bananeiras; Rosário, dos palheiros (39) encravados na encosta; e, pelos campos, hortênsias em profusão; Porto Muniz, com suas rochas e vertentes; Ponta Delgada, língua de terra, com sua igreja, piscina, que se enche, quando sobe a maré; Arco de São Jorge, com seus campos de semeadura, hortênsias e vinhas; Ribeirão Frio, orlado de flores, com tanques de trutas, onde a água límpida murmura; Santana, primitiva, com picos circundados por nuvens, muito embora, com larga visão; Porto da Cruz, com seu gigante morro da Penha de Águia, ondas redondas; Caniçal, da pesca e dos fósseis, com a “Prainha”, de brancas areias e a Ponta de São Lourenço; Machico, posta num vale, com as lembranças de Roberto Machim e de Ana d’ Arfet, Colombo e a Capela dos Milagres; Camacha, o Largo da Achada, sua indústria de vimes e o sitio do folclore; Curral das Freiras, cercado de montanhas, sol e nevoeiro.
                   João Gonçalves Zarco avistando uma ponta no lado Este, crismou-a de Ponta de São Lourenço, nome da embarcação em que seguia. Foi aproar na baía de Machico, onde se descobriram vestígios da presença humana, surgindo a lenda ou verdade histórica de Machim.


8. ROBERTO MACHIM E ANA D`ARFET

                   É o mais emocionante das novelas. Desses legítimos amores correspondidos com a oposição dos pais de Ana. A paixão vence as vicissitudes, porém, numa esteira de calamidades. Ana d’ Arfet e Roberto Machim residiam em Londres, onde seus amores são públicos e notórios.
                   Cientes os pais de Ana, em lamentos os parentes, comunicado el-rei, decidiu com seu parlamento fosse preso Roberto e Ana casada à escolha dos seus.
                   Realizado o casamento de Ana e um fidalgo inglês, contra a vontade da donzela, partiram de Londres para Bristol.
                   Algumas vezes Ana saiu pelos campos, umas só; outras em companhia de seu marido.
                   Contudo, os amantes haviam arquitetado um projeto de evasão. Aguardaram o momento propício, que chegou quando, em Bristol, eram preparadas várias naus para uma viagem comercial à França.
                   Chegou a embarcação esperada, para a execução do rapto de Ana. Propôs, o criado e companheiro de Roberto, o dia e horário, quando Ana deveria sair, solitária, para um especial passeio.
                   Sem que ninguém percebesse, fizeram sair o navio ancorado no porto. Todavia, violenta tempestade os impeliu ao mar revolto e desconhecido.
                   Conseguiram navegar por um período de treze dias. Entretanto, os amigos de Roberto, inexperientes na arte náutica, perderam o rumo, buscando sem sucesso, um porto amigo.
                   Sem destino, foram dar em terra desconhecida, libertando-se das águas encapeladas.
                   Alguns dias após, encontravam-se numa ponta de terra, coberta de árvores até o mar, o que lhes causou espanto e confusão.
                   Dessa forma aportaram na Ilha da Madeira. Na baía, agora, denominada de Machico, desembarcaram entre arvoredos e pássaros. Essa terra fora sua salvação, que se transformaria em seu túmulo.
                   Ana d’Arfet pediu a Roberto que a desembarcasse para livrá-la do enjoo, tendo em vista o quanto lhe fatigara a tormenta.
                   Uns continuaram na nau. Outros, com Machim e Ana, vão para a terra. Mas, prosseguiram perseguidos pela desgraça. Numa noite, aumenta o furor da tempestade, partindo-se as amarras da embarcação, que é empurrada para a costa da África, transformando em drama insustentável a aventura dos dois amantes.
                   Extenuada, a dama sentiu a fragilidade de seu coração, inclina-se diante da morte e, em três dias, serenamente, sem uma queixa ou suspiro, permuta o desterro pela imortalidade. Morria, mercê de seu inusitado amor.
                  Machim foi ao desespero. Sem a amada, sua vida se tornou inútil. Um vácuo invadiu su’ alma.

Foram necessários apenas cinco dias para que Machim sucumbisse. Seus companheiros o enterraram, colocando-lhe uma cruz à cabeceira, conservando a mesa e o crucifixo, como dispusera Machim.
                   Os remanescentes resolveram afastar-se daquelas terras ermas, deixando os dois amantes dormindo o grande sono, ao término de suas existências.
                   Naquelas paragens, ouve-se, ainda hoje, em madrugadas, entoar uma canção funérea, triste como tristeza oceânica do mar. São bacuraus, aves noctívagas e taciturnas.
                   Na Madeira, verdade ou lenda, estes sucessos andam, ainda hoje, de boca em boca. Os dois amantes permanecem, fazendo parte da Ilha, porque antes de acontecer o povoamento, já estavam na cena.
                    Esse amor, épico e estupendo, ocorreu em fins do reinado de Dom Eduardo III de Inglaterra, por volta de 1377, muito depois do descobrimento da Madeira e até de sua configuração nos “portulaños”.


9. MADEIRA E PORTO-SANTO


                   São duas ilhas irmãs. Uma coberta de um verde forte; outra, de amarelo-esmaecido (40). A primeira, rude, vigorosa; a segunda, deitada sob o sol, ao som das ondas do mar-oceano.
                   A Ilha da Madeira era conhecida do mundo civilizado, bem antes da chegada de Zarco, até mesmo quando, por acaso, foi acostada a nau de Machim, que zarpara da Inglaterra. À partir de 1351, a Madeira era referida em cartas e portulaños, inclusive, no planisfério de Macia de Viladestes, onde consta do desenho uma posição aproximada, segundo a distância e o rumo não magnético, mas verdadeiro.
                   O povoamento da Madeira data de maio de 1420. Sua colonização foi de natureza agrícola, tempos em que somente a terra gerava riquezas.
                   A Ilha da Madeira era um bloco envolvido em densa floresta, cercada de alta muralha e penhascos, coberta de espessa fumaceira, da qual fugiam os navegantes, a toda vela, na crença de que ali se postava a grande chaminé do inferno.
                   O nome Madeira decorre de sua vegetação. Disse Camões em seus versos:
                   “Passámos a grande Ilha da Madeira,
                   Que de muito arvoredo assim se chama”.

                   Zarco partiu após, ao longo da costa, batizando os novos locais: Santa Cruz, Garajau. Funchal, Ribeira dos Socorridos, Câmara dos Lobos, etc...
                   João Gonçalves Zarco denominou Câmara dos Lobos ao local onde foram encontrados muitos lobos marinhos, o que foi de grande regalo, passatempo para os que ali se meteram em seus batéis, suprindo-se de muita carne. Ali viveu entre 1420 e 1424. Foi o primeiro capitão-donatário da Capitania de Funchal, doada por alvará de 1450.
                   A demarcação das capitanias foi feita com varas provindas do reino, espetadas nesse local.
                   Um incêndio, durante sete anos, lavrou-se em várias partes da Ilha, não obstante esta conserve o loureiro, o til, o barbusano, o vinhático, o cedro, etc..
                   Uns cabouqueiros se guardaram em seus barcos ou nos ilhéus. Outros, durante dois dias e duas noites, ficaram com água até o pescoço, sem de nada se alimentar.
                   Iniciado o incêndio, logo estalavam as árvores seculares. Eram enormes as labaredas ao lado de cima, refletindo-se no oceano. O clarão das largas línguas de fogo, bramindo no espaço, uma ameaça de incendiar o infinito. Sempre  rememorou-se a duração desses sete anos.
                   Abertas as clareiras, teve início o amanho da terra, foram ensaiadas as primeiras culturas, teve início a construção dos primeiros poios e as primeiras levadas. As terras foram distribuídas ao critério dos respectivos donatários.
Com a doação e demarcação das capitanias, os donatários deram início à distribuição das terras, em regime de sesmarias, aos nobres, aventureiros e mercadores mais importantes.
                   O clima da Madeira é temperado e úmido. São pequenas as oscilações de temperatura, com uma variação de quatro graus C do Verão ao Inverno.
                   O mesmo ocorre na água do mar, 18 graus centígrados no Inverno e 22 graus centígrados no Verão.
                   As primeiras mudas de cana de açúcar foram introduzidas em 1425, importadas da Sicília. Em virtude das parcas terras, com o descobrimento do Brasil, sua cultura veio a ocorrer aqui, quando da vinda de Martim Afonso de Sousa.
                   O elemento básico da geologia da Madeira é o basalto, sua constituição é vulcânica.
                   O povo madeirense é uma raça lusa, de natureza própria, com características dominantes e distintas dos que a originaram,  resistente a todas as influências.
                   Frequentemente, a casa rural se confunde com a arribana (41) e o palheiro, muitas vezes coberta de uma capa de colmo (42).


10. O SEMINÁRIO E O CURSO DE DIREITO


                   Dom Manuel Joaquim Gonçalves de Andrade, frequentou o Seminário de Funchal, quando, em começo e fins de férias, ia a pé ou a cavalo, por estreita trilha, nas encostas; após, matriculou-se no Curso de Direito da Universidade de Coimbra, sob o número 27, folha 139, em 30 de outubro de 1790 e, pelo exame realizado em 25 de junho de 1794, na Sala Pública, foi-lhe conferido o grau de Bacharel em Direito, disciplina de cânones.
                    Em 1794, Dom Mateus de Abreu Pereira, seu tio, natural da paróquia do Campanário, nascido em 08 de agosto de 1742, filho de Manuel de Abreu Macedo e Maria de Andrade António de Abreu Pereira e Francisca Gonçalves de Andrade, irmã de Nicolau Gonçalves de Andrade, este pai de Dom Manuel Joaquim Gonçalves de Andrade, foi indicado bispo da Diocese de São Paulo, em 02 de agosto de 1794, pelo Regente D. João, futuro D. João VI, sendo confirmado pela Bula de Pio VI, de 1º. de junho de 1795, com 52 anos de idade, tomando posse do bispado em 31 de maio de 1797. Foi sagrado bispo, na Igreja de São Francisco de Paula, pelas mãos de Dom Luís de Brito Homem, então bispo de Angola, depois bispo do Maranhão: sendo consagrantes Dom Alexandre da Dilva  Pedrosa Guimarães, bispo de Macau, China, e Dom José Joaquim da Cunha Azevedo Coutinho, bispo de Olinda.
                    Dom Mateus participou ativa e assiduamente dos acontecimentos políticos da Independência, com apoio do cabido e do Clero paulista. Fez parte do triunvirato, que governou a Província de São Paulo, no período de 10/09/1822 a 09/01/1825, com início logo após o brado do Ipiranga. Mesclava idéias regalistas (43) e liberais (44), quando foram publicados dois discursos, proferidos por ocasião das solenidades para festejar o aniversário da sagração deste prelado, um deles pelo magnífico e sábio orador Mont´Alverne.
                   Em 1809, publicou uma pastoral contra o “filho da Córsega”, isto é, Napoleão Bonaparte, que invadira Portugal, provocando a fuga da Família Real,  de Portugal para o Brasil, denominando-o “monstro” e “cão feroz”. Dom Mateus transportava-se de coche do sobrado onde morava, uma das construções de destaque da cidade, localizada na ladeira do Carmo, até a chácara que possuía pelos lados da Glória.


NÃO EXISTE DESTINO. ENTRETANTO, HÁ UMA FORÇA SUPERIOR, QUE NOS CONDUZ, IMPLACAVELMENTE.


                   Quando o seminarista Manuel Joaquim Gonçalves de Andrade frequentava o último ano do Curso de Direito da Universidade de Coimbra, Dom Mateus manifestou a intenção de trazê-lo para São Paulo, enviou uma petição ao Bispo do Funchal (45) solicitando autorização para ser ordenado fora do Bispado. Por alvará de 17 de novembro de 1794, o Bispo concedeu-lhe licença para proceder aos provimentos de Ordens Menores e Sacras em Coimbra e, em 02 de janeiro de 1795, são passadas reverendas (46), isto é, as demissórias (47), para as Ordens Menores.
Após sua ordenação, em 1796, em Coimbra, em 1797, veio para o Brasil. Foi cônego e, durante mais de vinte anos, vigário geral da Sé de São Paulo. Em 12 de outubro de 1826, eleito bispo de São Paulo, confirmado pelo Papa Leão XII, no mês de março do ano seguinte.  Sagrado Bispo, em 18 de outubro de 1827, assumiu a direção do bispado em 23 de dezembro do mesmo ano, quando entrou solenemente na cidade de São Paulo. Sucedeu seu tio na cadeira episcopal, Dom Mateus de Abreu Pereira, que falecera em 05 de maio de 1824, às sete horas da manhã, tendo sido sepultado na cripta da Catedral.

                   Antes, por volta da passagem do século, foi perseguido e acusado pelo capitão-general Antonio Manuel de Mello Castro Mendonça, quando se retirou para Lisboa, apresentando provas de sua inocência; o governo da Rainha D. Maria I mandou que voltasse para São Paulo, onde chegou, em 2 de dezembro de 1802, reassumindo o lugar de vigário geral, quando mandou construir o lanço esquerdo da Sé, com acomodações para o Cabido e as aulas. Nessa oportunidade trouxe seus pais, Nicolau Gonçalves de Andrade e Maria de Andrade.
                   As feiras de Pilatos.-  Mello Castro tentou prejudicá-lo para atingir seu desafeto,  o Bispo Dom Mateus, seu tio e protetor. À época do Governador, ocorreram rixas entre os dois, por demais propaladas. Ao encerrar-se o século, Mello Castro introduziu as “feiras”, quando o Bispo dizia: “o monstro Pilatos que veio afligir esta terra”, referindo-se à destinação do passeio público, defronte ao Jardim Botânico e a Praça da Luz, onde eram vendidas ou permutadas mercadorias. O Governador afirmava que a atitude do Bispo decorria da ameaça que as Feiras representavam ao monopólio social da Igreja.
                   Além das funções eclesiásticas, Dom Manuel Joaquim Gonçalves de Andrade, participou ativamente da política. Foi Vice-Presidente da Província de São Paulo e, na sequência desta função, assumiu a Presidência, por quatro vezes, nos períodos de 18/04 a 05/10 de 1828; de 10/03 a 10/10 de 1829; de 15/04/1830 a 05/01/1831; e 17/04 a 20/06/1831, num período total de 23 meses e 20 dias, quando a média dos demais era da ordem de seis meses. Entre 1831 e 1841, por três vezes, foi deputado, também, Conselheiro do Imperador D. Pedro I.
                   Substituiu Dom Mateus em diferentes oportunidades, eis que, em 05 de janeiro de 1812, elevou à categoria de Freguesia a Paróquia de Santa Isabel, antigo Morro Grande.
                   Procurou desempenhar seu munus com esmerada dedicação. Assistiam-lhe inúmeras razões, dentre as quais, a incondicional confiança de seu tio, sua expectativa em torno de sua pessoa e o relacionamento mantido com todos, que tratavam com sua excelência reverendíssima. Esteve ao seu lado em todos os momentos, inclusive, nos fatos relativos à Independência do Brasil. Testemunhou sua participação, de natureza essencial, antes e após o Grito do Ipiranga. Ouviu de Sua Alteza, a afirmação de que o velho bispo fora o padrinho da libertação do Brasil. Foi testemunha ocular de todos os sucessivos atos cívicos, imediatos.
Escreveu: “Relatório dos Negócios Públicos da Província de São Paulo”, apresentado ao Conselho de Governo, em 1º. de outubro de 1830 e “Narração Oficial do Assassínio de Libero Badaró”.
                   Em 1831, Debret retorna à França. Sua produção mais conhecida é a de retratos. Realizou diversas telas da figura do primeiro imperador, da imperatriz Dona Maria Leopoldina, Dona Maria II e outras figuras públicas, o Marques de Inhambupe e o retrato de Dom Manuel Joaquim, em 1828, impresso nesta obra.
                   Simplício de Sá, sucedera Debret em sua cadeira na Academia, lecionando pintura histórica.
                   O Deão António Joaquim Gonçalves de Andrade, que não era seu irmão, conforme ficou registrado nas anotações sobre a história da Ilha da Madeira, mas que nascido no Campanário, foi dos mais ilustrados de sua época.
                  Nasceu em 7 de dezembro de 1795 e ordenou-se de presbítero em 1821. Foi cônego da Sé de Funchal e, em 1834, secretário de D. Francisco José Rodrigues de Andrade, quando este bispo emigrou para a Itália, estabelecendo morada nos arredores da cidade de Gênova. Assumiu a direção do bispado em 1º. de maio de 1822. Seu episcopado transcorreu com muitas dificuldades. Foi uma época de maior paixão política de Portugal. As correntes políticas se chocavam. Publicou uma pastoral, datada de 28 de junho de 1828 e outra em 13 de setembro do mesmo ano. Na primeira preconiza-se o sistema representativo, elogiando D. Pedro, na segunda defende-se o sistema do governo absoluto, aplaudindo D. Miguel. No dia 5 de junho de 1834 proclamou-se o governo constitucional na Madeira e, no dia 12 do mesmo mês, D. Francisco cometeu ao cabido a administração da diocese, tendo no dia seguinte deixado a Ilha em direção à Itália. Vários eclesiásticos o acompanharam e entre eles o padre António Joaquim. No dia 2 de maio de 1838 faleceu D. Francisco. Com sua morte, António Joaquim fixou residência em Lisboa, sendo depois chamado para a Madeira.
                   António Joaquim Gonçalves de Andrade deixou o cultivo das letras, o convívio íntimo com os principais literatos, quando foi nomeado vigário geral do bispado.
                   O Padre António Cordeiro, nascido em Angra em 1641, morreu em Lisboa em 1732, elaborou a “História Insulana das Ilhas de Portugal Sujeitas no Oceano Ocidental”, cuja primeira edição é de 1717. António Joaquim Gonçalves de Andrade contribuiu com grande quantidade de anotações para a publicação subsequente. Deixou inéditos de valor, sendo que possuía documentos valiosos para a história da Madeira, que se perderam.


11. COLOMBO EM LISBOA


                  No transcurso de 1478, Lisboa era uma das mais belas e ricas cidades do mundo. O suntuoso casario, as ruas estreitas, tinham um movimento desusado, mercê do alargamento, decorrente de descobertas e conquistas ultramarinas. Não obstante o falecimento de D. Henrique, “O Navegador”, em 1460, sua obra dava frutos preciosos à Coroa Portuguesa. Continuavam afluindo estudantes de todas as partes da Europa à Escola Náutica, no promontório de Sagres. O observatório Astronômico, onde funcionavam aulas de matemática, náutica, geografia, astronomia e comércio, era ponto convergente de cosmógrafos (48) e cartógrafos (49).
                  Afonso V era o rei, D. João governava. Em 1476, quando o pai fora à França solicitar auxílio a Luiz XI, objetivando colocar no trono de Castela, D. Joana, “A Beltraneja”, oportunidade em que o rei de França o iludiu com promessas. Durante esse ano em que permaneceu em França, D. João foi aclamado rei. Entretanto, quando o pai voltou, em 1477, o filho entregou-lhe a coroa. Constatando inviável uma guerra contra Castela e Aragão, entendeu melhor manter-se em paz com os vizinhos, os Reis Católicos, deixando o trono de Castela à Rainha Isabel, irmã de Henrique IV, recolheu a madrasta ao Convento de Santa Clara.
                  D. João inspirava medo. Fúnebre, fanhoso, meio gago, dizia a seus familiares: “Um príncipe não precisa ter todas as qualidades. Basta-lhe fingi-las”.
                  Cristóvão Colombo era um homenzarrão de cabelos vermelhos, barbas ruivas, pernas musculosas, ombros largos, tez curtida ao sol e ao vento do mar. Encontrava-se em Portugal. Seu problema era equilibrar as finanças. E conquistar posição na corte. Para ganhar dinheiro, procurou a Firma Centurione di Negro, que tinha uma filial em Lisboa. Foi enviado à Ilha da Madeira para comprar 2.400 arrobas de açúcar. O negócio era de vulto, com ótima comissão. Esteve em Funchal, fez a encomenda, voltou a Lisboa, deixando na Ilha apenas 103 ducados, que lhe tinham dado. Quando o navio foi buscar a carga de açúcar, os negociantes madeirenses não entregaram a mercadoria, exigindo o pagamento integral. Colombo foi a Gênova entender-se com Luiz Centurione, titular da firma, que esperava ansioso por toda a remessa. Resolvido o problema, Cristóvão voltou para Lisboa, decidido procurar o rei de Portugal.
                  Os irmãos Cristóvão e Bartolomeu frequentavam, em Lisboa, por cálculo, os locais onde se reunia a nobreza de Portugal. Iam assistir a missa na Capela dos Cavaleiros da Ordem Militar de São Tiago, junto ao Convento onde, em tempos pretéritos, ficavam abrigadas as esposas e filhos dos nobres cavaleiros, quando estes iam para as cruzadas. Agora, ali as moças aprendiam a bordar ricas tapeçarias. Como as donzelas iam assistir missa na capela, muitos casamentos se armavam, em ambiente de devoção e refinamento.
                   Nesse clima, Cristóvão Colombo conheceu D. Felipa Moniz Perestrelo, filha do falecido D. Bartolomeu Perestrelo, capitão a serviço do Infante D. Henrique, que lhe doara a Ilha de Porto-Santo. Não era bonita, porém, poderia fazer um casamento perfeito, aliando o amor e o interesse. A situação social de Felipa poderia abrir o caminho, as portas da Corte de D. João. Casou-se com ela. Ele e o irmão chegaram a ser recebidos por D. João, que vislumbrou a possibilidade de outra ocasião, sob a desculpa de que os gastos, na oportunidade, eram elevados.
Do casamento, nasceu Diogo, então, com cinco anos de idade. A esposa viera a falecer. Os irmãos Colombo perceberam que D. João II pretendia executar os planos expostos pelos irmãos e que Cristóvão poderia ser preso, facilitando o projeto diabólico do rei.
                  Foi quando Cristóvão Colombo saiu fugido, com seu filho, de Portugal para Palos, na Espanha, tudo o mais é conhecido. Veio a ser descoberta a América. Entretanto, os fatos acima narrados demonstram a que ponto estava o rei facínora disposto, para executar seu projeto e como, sem cerimônia encerrou sua madrasta Joana, “A Beltraneja”, “A Excelente Senhora”, no Convento de Sana Clara e seu irmão, Dom Gonçalo de Avis Trastâmara Fernandes, na Ilha da Madeira, subtraindo-lhe o trono.
                  Observando-se que Cristóvão Colombo esteve em Porto-Santo, durante a moléstia de sua esposa, eis que a Ilha ficara pertencendo ao seu cunhado, Bartolomeu Moniz Perestrelo, que o recebeu com muita galhardia. Residiu, também, na Ilha da Madeira, onde ainda hoje existe a casa onde permaneceu.


12. O SINAL DOS POVOS

                   A marca de um povo exsurge (50) da origem de seus integrantes, estabelece-se em sua integração inicial, perpetua-se com seus seguidores e se consagra na conduta dos que a consolidam.
                  Portugal: Condado Portucalense, feudo localizado entre os rios Minho e Douro. Quando D. Afonso I cercava Lisboa, D. Payo Guterres mandou meter várias cunhas na muralha do Castelo e por elas subiu com os seus, concorrendo com este ato de heroísmo para a tomada da cidade. Consta que foram nove essas cunhas e outros tantos têm os Cunhas, por irmãos.
                  Deu-lhes, então, o rei com o direito de usar em apelido Cunha, em prêmio do feito por eles praticado.
D. Afonso Henriques,
                   Cognominado o conquistador, nasceu em finais de 1108 ou início de 1109, provavelmente na cidade de Coimbra, reinou de 1143 a 1185, filho do Conde D. Henrique de Borgonha e de D. Teresa, filha de Afonso V, rei de Leão. Órfão aos três anos de idade. Aos quatorze, foi investido cavaleiro em Zamora.
                  Com a morte de D. Henrique, D. Tereza assumiu o governo do Condado Portucalense, manifestando vontade de unificação do Condado com a Galiza, ato que não agradava aos barões.
                  Em 1128, Afonso Henriques, liderando os barões, defensores da autonomia do Condado, defronta os partidários da mãe nas proximidades de Guimarães, na Batalha de São Mamede, saindo vencedor, obrigando D. Teresa a refugiar-se na Galiza, falecendo em 1130. Assume a liderança da luta pela independência de Portugal. Em 1131, funda o Mosteiro de Santa Cruz de Coimbra, manda construir muitos castelos, destacando-se o de Leiria (1135), uma das principais bases da reconquista. Em 1143, em Zamora, celebra tratado de paz  com o rei de Leão, Afonso VII, quando é reconhecido, no qual é reconhecido o reino de Portugal. No mesmo ano, presta vassalagem ao Papa, colocando o reino de Portugal sob a proteção da Santa Sé.
                  Em 23 de outubro de 1147, Afonso Henriques marchando por terra com as forças que conseguira congregar, pôs cerco a Lisboa, que se rendeu após duríssimo assédio. O efeito moral da conquista foi enorme. Toda a região de aquém e além Tejo, perto da foz do rio se submeteu imediatamente.
                  Nove corajosos partidários do Rei, metendo cunhas na Muralha, surpeenderam os Mouros, encontrando-os debilitados, porém, corajosos em “desesperada ira”. Ouviu-se um “tremendo estrondo” do muro, vindo abaixo. Era tenebrosa a imagem dos mouros e sua amargura pelo desastre. O quadro era catastrófico, o pó dos escombros, a fumaça da torre de madeira edificada pelo alemão Henrique, as ruas estreitas, as casas, gente em pânico. Ficou na memória do palco do tempo, a “voz do almadém da mesquita maior”, Allabu Akbar, degolado por um golpe de espada. Era o término da guerra, três horas da madrugada.
                   Afonso Henriques somente é reconhecido como rei de Portugal pelo papa Alexandre III, pela bula Manifestis Probatum, em 1179.       
Em 1185, D. Afonso I lega a seu filho, D. Sancho, não tão somente um Condado, porém, um reino independente, Portugal.
                  Em seguida reinaram: Sancho I, O povoador; D. Afonso II, O Gordo; D. Sancho II, O Capelo; D. Afonso III, O Bolonhês; D. Dinis, O Lavrador; D. Afonso IV, O Bravo; D. Pedro I, O Justiceiro; D. Fernando, O Formoso;
                   D. João I, O de Boa Memória; D. Duarte, O Eloquente; D. Afonso V, O Africano.


13. REVERÊNCIAS À SEGUNDA PÁTRIA DE DOM MANUEL.-

                  A marca do povo brasileiro inicia-se e se efetiva através dos Bandeirantes.
                  São Paulo de Piratininga: Conta-se que o Padre Manoel de Nóbrega tivera um sonho épico, nele a visão da Cidade de São Paulo, do futuro, uma metrópole.
                  Certamente, o vigoroso vigário-jesuíta, observando o encontro entre os rios Tamanduateí e Anhangabaú, identificara, num deles, o ardor da Ordem de Cristo na catequese dos índios; noutro, a determinação de El-Rei em fincar as bases do ponto de partida do colonizador em busca do ouro e da prata, nas distâncias das matas bravias, através dos rios, estes saltando das serras. Antes, filetes d'água serpeando pelas encostas, correndo murmurosos e descuidados; após, em amplexo frenético ao embaraço das rochas. Unem-se e crescem, no segredo da natureza, avultam, transpõem o impedimento, rebentam e espadanam marulhando nas pedras seculares, em espumas oxigenadas de cristal.
                   Agora, volumoso, nele, flutuam barcos feitos de frondosas árvores, formam-se as Monções, quando o intrépido Bandeirante, contemplando a vegetação agreste e emaranhada da orla vai, ao longe, transpor a linha de Tordesilhas, multiplicar por três o território.
                  São duas razões, ambas de conteúdo imanente, buscando alcançar os objetivos propostos, numa só comunhão, idéias contidas em única inspiração.
                   O poder temporal foi dividido entre os jesuítas e o bandeirante.
                   Em suas limitações potenciais, a emoção foi o mote permanente de prestígio sem limites do penetrador no recôndito.
                   O piratiningano, em vida urbana, era pacato. Na “casa da roça” transmudava-se, em seu alter-ego (51), era respeitado e temido.
                   Sua residência na Vila era para o descanso, negócios, participação nas procissões e demais atos religiosos.
                  Em 1.581 foi imposta a pena pecuniária e severa de 200 réis a Antonio Proença, varão prestigiado, porque faltara à procissão. Justifica-se detalhadamente, com responsabilidade e lhe é relevada a multa. Não é atingida sua personalidade, entretanto reconhece a falha, dá o exemplo.
                  As casas eram construídas nas depressões do solo, servindo-lhes as lombadas como proteção ao vento frio. Regra geral, voltadas para o Norte ou Oeste, sendo de taipa e palha.
                  O jovem somente obtinha seu diploma de “homem”, embrenhando (52) pelo sertão de matas virgens, onde os perigos rondavam o espetáculo da iniciação. Ali conhecia os animais ferozes, alargava seus horizontes geográficos, perqueria (53) a fauna e a flora, contemplava o céu, via os astros com maior intimidade e conhecia rudimentos astronômicos, ia à caça e pesca, assim como, para a guerra ao inimigo.
Místico pela origem portuguesa e pelo convívio com o índio, também, pelo catolicismo imposto pelos jesuítas, o bandeirante semelhava-se, às vezes, ao cavaleiro medieval; o capitão-do-mato teve atitudes quixotescas. Penetrando os sertões; alimentava-se de caça do mato, bichos, cobras, lagartos, frutas e raízes.
                  A bandeira foi uma réplica às ameaças do meio, isto é, aos ataques dos Carijós, Tupinaés e Tupininquins, alargando as divisas.
                  Os paulistas mantiveram seu impulso inicial, apenas modificaram o rumo. Os bandeirantes e mamelucos alargaram as divisas do Brasil, chegando até as margens dos rios do Paraguai e Prata e as serras do Peru. Conquistando as terras, escravizando os índios, abriram clareiras nas matas, cultivaram o solo, plantaram milho, cana de açúcar, algodão e, após, o café, originário da Etiópia, atravessou o Mediterrâneo, chegando à Europa, na segunda metade do século XVII. No século XVIII, os Cafés passaram a ser ponto de encontro e de reuniões elegantes de aristocratas, burgueses e intelectuais. Pela fama de provocar idéias, o café conquistou o gosto de escritores, artistas e pensadores. Os enciclopedistas eram adeptos do café e dos Cafés. Foi nos guardanapos de Cafés vienenses que Schubert compôs muitos de seus lieder. Bem antes, no começo do século XVIII, Johann Sebastian Bach chegou a compor uma Cantata do Café, com versos de um poeta de Leipzig. Este foi introduzido no Brasil por Francisco de Mello Palheta, oficial português, em 1727, que trouxera as primeiras sementes da Guiana Francesa, plantando-as no Pará, onde durante um século não se desenvolveu. No século XIX desenvolveu-se sua cultura na Província do Rio de Janeiro e no Vale do Paraíba. Em 1839 já éramos o maior produtor do mundo. Em seguida radicou-se em boa parte da Província de São Paulo.
                   Coube ao homem vicentino, no século XVI, domesticar o sertão, desvendando-lhe os mistérios, buscar-lhe o conteúdo e dominar a terra.
                   Pela força de seu pensamento positivo, essa energia motriz das almas, penetra o sertão longínquo, vai emendar distâncias, atravessando rios, no contato hostil do nativo, armando-lhe emboscadas, vigiando a terra, formulando os laços invisíveis da consolidação da solidariedade nacional.
                   O espírito brasileiro, resultante das três raças: o índio, legítimo dono das terras; o português, que atravessou os mares e aqui veio plantar uma nova civilização; e o negro, arrancado das costas da África, fator decisivo de nossa miscigenação.
                  Num simples ato do brasileiro haverá sempre um sentido bandeirante, democratizando, superando preconceitos étnicos, econômicos e sociais. O importante é abrir picadas, penetrar a mata bravia, vencendo o meio físico, razão determinante, causa primeira das incursões temerárias.
O ambiente belicoso, o instinto próprio de conservação, aconselham a organização em forma de bandeira.
                   O bandeirante impõe obediência, contudo, não é o impostor, o mandão, como queria o jesuíta, entendendo que o penetrador deixasse o mister espiritual. Verdade é que o jesuíta se associou ao bandeirante, fornecendo-lhe o material para a empresa, quando os lucros são repartidos pela metade ou proporcionalmente.
                   O índio, por sua vez, tinha sua personalidade. Embora, desejassem os padres jesuítas retorcer-lhe o temperamento, transmudá-lo da noite para o dia, encontravam obstáculos. Não aceitava este a sistematização de sua conduta, queria funções dinâmicas, jamais tarefas do dia-a-dia.
                  O índio se inquietava psicologicamente pelo trabalho, contrapondo-se à docilidade do negro. “Um só índio, vale vinte negros, para o movimento; um só negro vale vinte índios, na lavoura”.   
                   Afirma Monbeig (54): “Perseguindo os índios, os bandeirantes descobriram os caminhos do Brasil meridional e os do Paraguai”.
                   À medida que se ampliava o domínio conhecido, dos portugueses, o controle da Companhia de Jesus sobre a Vila de Piratininga, desaparecia.
                   O sertão lapidou o caráter do bandeirante. Ao receber flechada ou pancada do tacape do índio, ao ser ferido por animal bravio, sentia-se, por dentro, mais forte, enfibrado (55) e capaz, apurando sua dignidade.
                   O jesuíta foi o adversário impertinente do bandeirante.
                  O Bandeirante Paulista foi, sobretudo, carismático, somente se reputava homem quem se intrometesse pelo mato, mastigando e digerindo o medo.
                   A mulher paulista era recatada, não sendo hábito participar da refeição à mesa na presença de visitas estranhas. Vestia-se modestamente, utilizando-se, às vezes, de chapéus masculinos reformados. Evidentemente, existiam as mais belas, as menos formosas, contudo, excessivamente retraídas, encorujadas “na escravidão dos hábitos rotineiros”. Envoltas nas negras mantilhas, submissas à prepotência patriarcal do marido e à orientação de seu confessor.
                  Suas vestimentas se caracterizavam pela cor escura, vestidos compridos de seda ou casimira, sobrepostos pelo xale, este peça austera, atestando sua compunção. Na estação mais fria trajavam casacão de lã, esse seu guarda-roupa.
                  O chapéu era preso à cabeça, tombado para trás, meia testa descoberta.
                   No começo do século XIX, os mais abastados viviam em suas chácaras suburbanas, com todo o possível conforto. Essas chácaras, no perímetro urbano de São Paulo atual, beneficiaram a cidade, eis que evitaram o retalhamento desordenado do solo.
A Edilidade, da época, fixou as diretrizes para os loteamentos, que deveriam ter suas ruas simétricas.
                  D. Luiz Antônio de Souza, o Morgado de Mateus, governou a Capitania de São Paulo no período de 1765 a 1775, estabelecendo um marco na história paulista. Já, em 1765, tentou o primeiro censo demográfico em São Paulo, apurando: 899 fogos, com 1.748 homens e 2.090 mulheres. Seus bairros eram os do Pari, Embujaçava, Pirajuçava, Pinheiros, Nossa Senhora do Ó, Santana, Penha, Tremembé até a Cachoeira (inclusive), Jaraguá, Caaguaçu, Tatuapé e Aricanduva. Mais afastados: São Bernardo, Borda do Campo, Mercês e São Caetano. Existiam inúmeros vendeiros, seis caixeiros, quatro estudantes, um caixeiro-viajante, três médicos-cirurgiões e alguns especialistas em leis.


  14. MAXIMILIANO DE HABSBURGO


                   Fernando Maximiliano José, Arquiduque de Áustria, Príncipe de Hungria e da Boemia, Conde de Habsburgo, Príncipe de Lorena, Imperador do México, nasceu em 06 de julho de 1832, no Palácio de Schönbrunn, nos arredores de Viena e teria sido executado por um pelotão de fuzilamento, em Santiago de Querétaro, no México, em 19 de junho de 1867. Embora exista a Capela Funerária do Imperador Maximiliano, em Santiago de Querétero, onde teriam permanecido seus restos mortais, que em agosto do mesmo ano, quando chegou a Vera Cruz a fragata “Navare”, na qual teriam sido trasladados seus restos mortais para o panteon dos Capuchinhos, em Viena, não chegou a ser executado, eis que foi substituído por um tercius. Veio para o Brasil, era primo de D. Pedro II, intitulando-se Conde de La Rosé, terminando seus dias em Serra Negra, Estado de São Paulo, em novembro de 1877.
         Contava apenas com 32 anos de idade quando chegou ao México, convencido pelos Conservadores de que todo o povo mexicano aprovava ao novo império.
 Maximiliano tinha uma grande atração pelo mar, pelo que, quando elegeu sua carreira, se decidiu pela naval. Realizou inúmeras viagens pelo mediterrâneo, explorou o norte da África e as costas do Brasil.




         Já casado, em 27 de julho de 1857, com Carlota Amália, filha do rei Leopoldo I da Bélgica, seu irmão Francisco Fernando I o nomeou governador do reino Lombardo-Véneto. Foi em seu castelo de Miramar, frente para o Mar Adriático, que recebeu à comissão dos Conservadores, em 1859, que lhe ofereciam o governo mexicano. Maximiliano concordaria, desde que a maioria do povo mexicano estivesse acordo. Os conservadores coletaram assinaturas e mostraram-lhe os resultados de um plebiscito realizado na Cidade do México. Os resultados assinalavam que uma grande maioria dos mexicanos solicitava sua presença como imperador. Decidiu aceitar a proposta, renunciando a todos seus títulos na Europa, inclusive, a coroa de Áustria e assinou os tratados de Miramar com Napoleão III, nos quais este se comprometia a manter as tropas francesas em território mexicano, durante seis anos. O México pagaria, a título de gastos de guerra, mais um empréstimo de mais setenta e seis milhões de pesos com um juro anual de três por cento, mas os gastos do exército também corriam por conta do México. Ainda, o Império deveria adotar uma política liberal.
        
O imperador e sua esposa chegaram ao porto de Vera Cruz, na famosa fragata Novara, em 28 de maio e, finalmente, à cidade do México em 12 de junho de 1864. Foi recebido entre júbilo e algaravia dos conservadores, que se expressou especialmente em Pavoa e na cidade de México.
A travessia à Cidade de México ofereceu-lhe um panorama diferente: um país ferido pela guerra e profundamente dividido em suas convicções. Ao chegar à cidade escolheu o Castelo  Chapultepec como residência e mandou traçar um caminho, que lhe ligasse à cidade atual Passeio da Reforma), que se chamou originalmente “Passeio da Imperatriz”. Como o imperador não podiam ter filhos, decidiram adotar a dois netos (Agustín e Salvador) de Agustin de Iturbide, primeiro imperador mexicano. Fazia uns quarenta anos que Agustín I havia sido derrotado, desterrado e, posteriormente, fuzilado. Nesse período, as tentativas espanholas por reconquistar o país, a Guerra no Texas, os conflitos entre liberais e conservadores, a invasão dos Estados Unidos e a mais recente invasão francesa tinham esvaziado as arcas da fazenda pública. De se observar que grande parte dos mexicanos tinha abandonado suas esperanças nas alternativas políticas da aristocracia e deu seu apoio a Benito Juarez, primeiro presidente indígena da América, firme partidário do sistema republicano. 
         Desde o início, Maximiliano se inclinou a adotar um liberalismo moderado, o que incomodou muito os Conservadores. Suas primeiras ações foram a reorganização da Academia de São Carlos, a fundação dos Museus de História Natural e de Arqueologia e Academia Imperial de Ciências e Literatura.
         Maximiliano declarou a religião católica como a oficial do Império, mas manteve os princípios da Reforma Liberal: alijou o clero do governo, determinou a gratuidade dos serviços religiosos e pediu que toda correspondência com Roma passasse pela censura do governo, antes de ser enviada ao lugar determinado. O Imperador declarou fora da lei todo guerrilheiro, que seguira combatendo ao Império e, por este decreto, foram fuzilados José Maria Arteaga e Carlos Salazar, ambos generais republicanos.
         O Império Mexicano contava com o apoio do partido conservador e de boa parte da população de tradição católica, ainda que teve uma oposição férrea dos liberais. Durante seu governo Maximiliano I do México tratou de desenvolver econômica e socialmente aos territórios mexicano sob sua custódia, aplicando os conhecimentos aprendidos de seus estudos na Europa e de sua família, os Habsburgo, uma das casas monárquicas mais antigas da Europa, de tradição abertamente crista e católica. Entretanto, a política de Maximiliano resultou ser mais liberal que o que seus partidários conservadores puderam tolerar.
         Os liberais procuraram, por todos os meios, a derrota do império. Encabeçados pelo Presidente Benito Juarez, permaneciam firmes na defesa da República. Juarez gozava de apoio dos Estados Únicos, a quem não convinha a presença na América de um regime apoiado pelas monarquias européias e fizeram o quanto puderam por evitar que os conservadores mexicanos tivessem sucesso.
         Ao final, as mudanças políticas a nível internacional repercutiram no Império Mexicano. Estados Unidos, que durante a maior parte desta época estava envolvido em sua própria guerra civil entre os estados do norte e os do sul, tinha conseguido finalmente a paz, e estava pronto para apoiar ao governo republicano de Juarez.
Parecia haver um pouco de estabilidade e de supremacia conservadora no México, quando a Prússia ameaçou atacar aos franceses e os estadunidenses, que já terminavam sua guerra de secessão, começaram a protestar contra a permanência do exército francês no México.
         Napoleão III resolveu retirar as tropas, dois anos antes do pactuado com Maximiliano. Este, ao saber a notícia, decidiu abdicar, mas Carlota o convenceu de que não o fizesse e embarcou para a Europa, para exigir a Napoleão que cumprisse sua palavra e pedir ajuda ao Papa.
         Nem um nem outro quis ajudar a Maximiliano e, estando em Roma, Carlota enlouqueceu. Seu irmão a instalou num castelo de Bruxelas, onde permaneceu até 1927, quando morreu.
         A Maximiliano se informou que sua esposa havia falecido, pelo que reincidiu em seu desejo de abdicar. Sem dúvida, a chegada de Miramón e Márquez a Vera Cruz o reanimaram a o fizeram permanecer no México.
         Diante da derrota de Miramón em Águas Quentes, Maximiliano quis reforçar-se em Querétaro. Sem dúvida, ao saber da derrota de Márquez na cidade do México, decidiu render-se, com a esperança de que o deixassem regressar à Europa.
         Preso no Convento de Santa Cruz, em Querétaro, foi sentenciado à morte, junto com seus chamados generais Miguel Miramón e Tomás Mejía, que não o abandonaram. Apesar das solicitações de ministros europeus e inclusive estadunidenses, a sentença teria sido levada a cabo em 19 de junho de 1867.
         Em agosto do mesmo ano, chegou a Vera Cruz a fragata “Novara”, na qual se trasladariam os restos mortais do Imperador ao panteão dos Capuchinhos, em Viena.


 
 

Nenhum comentário:

Postar um comentário