quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

A PALAVRA

Escrita ou falada é espada. Abre chagas ou defende a honra.  Pode gerar feridas, quando injusta. Porém, ao pugnar pelo inalienável interesse comum, é medida heróica e saneadora.
                   Luís Gonzaga Pinto da Gama, um dos personagens mais admiráveis e fascinantes das epopéias da Libertação dos Escravos nasceu, em 1830, em Salvador, filho da união informal de uma africana livre, natural da Costa da Mina, do lindo nome Luíza Mahin, da qual sempre falou com orgulho, e de um branco com fumos de nobreza, cujo nome nunca dera a conhecer. Luíza Mahin, na Bahia, envolvera-se em várias insurreições de escravos, acabou deportada para o Rio de Janeiro, jamais a reveria. O pai, dado ao jogo, esbanjara a fortuna, que houvera de uma tia. Viu-se pobre, levou o filho de dez anos ao cais do porto. Ali estava ancorado o patacho Saraiva. O filho apercebeu o conteúdo da conversa em surdina entre o pai e determinado senhor, a bordo da embarcação. Então exclamou: - O senhor me vendeu!
                    De forma alucinantemente cruel, o pai vendera o filho como escravo. Luís Gama iniciava sua carreira solo na vida. Ali foi entregue a Vieira, comerciante de velas na rua da Candelária. Este o vendeu a Antônio Pereira Cardoso, que rumou, com um lote de escravos, a São Paulo. Chegando a Santos, enveredaram pelo Planalto Paulista, para a região de Jundiaí e Campinas. Cardoso ia oferecendo, aos fazendeiros locais, seu rico lote. Vendeu todos, exceto dois, um deles o menino. Ninguém o quis, mesmo de graça. Encalhado, Cardoso o colocou ao seu próprio serviço. O menino aprendera a lavar, engomar, costurar, consertar sapatos e servir de copeiro.
                   Até que um dia Cardoso hospedara um jovem do interior, Antônio Rodrigues do Prado Júnior. Eles ficaram amigos, o jovem estudante de direito o ensinou a ler.
                   Fugiu da casa do dono, conseguiu provar que, sendo nascido de mulher livre, livre era também. Obteve emprego público na Secretaria de Polícia. Embora sem recursos para escolaridade regular, estudou direito e conseguiu licença para atuar no foro. A literatura foi seu passaporte para subir na pirâmide social. O ex-escravo, ao lado de pessoas ilustres, foi fundador da loja maçônica América e do Partido Republicano Paulista. Eram pessoas de suas relações, Martinho Prado Júnior, o Martinico, José Bonifácio, o Moço, Américo Brsiliense, Lúcio e Salvador de Mendonça, Américo e Bernardino de Campos, Rui Barbosa e Raul Pompéia.
                   Dedicou-se à causa da libertação dos escravos, usou e abusou da esquecida lei de 1831, que declarou ilegal o tráfico de escravos, alegando que todos os africanos aportados no Brasil, após aquela lei, haviam sido escravizados ilegalmente.
                   Em 1880, aos 50 anos começa a fraquejar, a diabetes o venceu. Morreu em 24 de agosto de 1882. Seu enterro foi o mais concorrido, no século XIX. Viveu e morreu pobre.
                   Eis a história de um dos maiores vultos da História, o menino que foi vendido pelo próprio pai, como escravo e foi o maior libertador de escravos, na Justiça, mais de mil.

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