quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

CONTOS

PARA QUE NÃO SEJA TARDE DEMAIS

    Dou a público antigas e recentes crônicas. Elas encerram lembranças antropológicas, recordações de minha infância na Fazenda “São Sebastião”, em Serra Negra, “Cidade da Saúde”, demais passagem pelo tempo, numa existência plena de emoções por onde passei, vinte municípios no Estado de São Paulo, um no Estado do Paraná e duas freguesias, Cúrias e Coimbra, também, “Cidade da Saúde”, em Portugal. O tempo não passa, passamos nós, nessa busca permanente da felicidade, esse equilíbrio entre nosso mundo interior e o meio, que nos cerca.
    Hoje, octogenário, encontro-me em minha terra natal, cercado de amigos.
    Na cabeceira do rio, donde vim, pela memória das células, vejo-me no Campanário, na Ilha da Madeira, com suas casas amarradas nas encostas, telhados bicolores, cinza e vermelho-pálido. Situada em pleno Atlântico, de formação vulcânica do período terciário. Descoberta, por volta da primeira metade do século XIV, povoada por João Gonçalves Zargo, meu antepassado, que chegou, pela primeira vez, em junho de 1419, à baía, que recebeu o nome de Machico, Como pano de fundo, a Ribeira Brava, inserida no mar-oceano.
ROBERTO MACHIM E ANA D`ARFET

              É o mais emocionante das novelas. Desses legítimos amores correspondidos com a oposição dos pais de Ana. A paixão vence as vicissitudes, porém, numa esteira de calamidades. Ana d’ Arfet e Roberto Machim residiam em Londres, onde seus amores são públicos e notórios.
       Cientes os pais de Ana, em lamentos os parentes, comunicado el-rei, decidiu com seu parlamento fosse preso Roberto e Ana casada à escolha dos seus.
       Realizado o casamento de Ana e um fidalgo inglês, contra a vontade da donzela, partiram de Londres para Bristol.
       Algumas vezes Ana saiu pelos campos, umas só; outras em companhia de seu marido.
       Contudo, os amantes haviam arquitetado um projeto de evasão. Aguardaram o momento propício, que chegou quando, em Bristol, eram preparadas várias naus para uma viagem comercial à França.
       Chegou a embarcação esperada, para a execução do rapto de Ana. Propôs, o criado e companheiro de Roberto, o dia e horário, quando Ana deveria sair, solitária, para um especial passeio.
       Sem que ninguém percebesse, fizeram sair o navio ancorado no porto. Todavia, violenta tempestade os impeliu ao mar revolto e desconhecido.
       Conseguiram navegar por um período de treze dias. Entretanto, os amigos de Roberto, inexperientes na arte náutica, perderam o rumo, buscando sem sucesso, um porto amigo.
       Sem destino, foram dar em terra desconhecida, libertando-se das águas encapeladas.
       Alguns dias após, encontravam-se numa ponta de terra, coberta de árvores até o mar, o que lhes causou espanto e confusão.
       Dessa forma aportaram na Ilha da Madeira. Na baía, agora, denominada de Machico, desembarcaram entre arvoredos e pássaros. Essa terra fora sua salvação, que se transformaria em seu túmulo.
       Ana d’Arfet pediu a Roberto que a desembarcasse para livrá-la do enjoo, tendo em vista o quanto lhe fatigara a tormenta.
Uns continuaram na nau. Outros, com Machim e Ana, vão para a terra. Mas, prosseguiram perseguidos pela desgraça. Numa noite, aumenta o furor da tempestade, partindo-se as amarras da embarcação, que é empurrada para a costa da África, transformando em drama insustentável a aventura dos dois amantes.
       Extenuada, a dama sentiu a fragilidade de seu coração, inclina-se diante da morte e, em três dias, serenamente, sem uma queixa ou suspiro, permuta o desterro pela imortalidade. Morria, mercê de seu inusitado amor.
       Machim foi ao desespero. Sem a amada, sua vida se tornou inútil. Um vácuo invadiu su’ alma.

       Foram necessários apenas cinco dias para que Machim sucumbisse. Seus companheiros o enterraram, colocando-lhe uma cruz à cabeceira, conservando a mesa e o crucifixo, como dispusera Machim.
       Os remanescentes resolveram afastar-se daquelas terras ermas, deixando os dois amantes dormindo o grande sono, ao término de suas existências.
       Naquelas paragens, ouve-se, ainda hoje, em madrugadas, entoar uma canção funérea, triste como tristeza oceânica do mar. São bacuraus, aves noctívagas e taciturnas.
       Na Madeira, verdade ou lenda, estes sucessos andam, ainda hoje, de boca em boca. Os dois amantes permanecem, fazendo parte da Ilha, porque antes de acontecer o povoamento, já estavam na cena.
        Esse amor, épico e estupendo, ocorreu em fins do reinado de Dom Eduardo III de Inglaterra, por volta de 1377, muito depois do descobrimento da Madeira e até de sua configuração nos “portulaños”.

    Percorro os demais rincões brasileiros, devolvo-me às minhas origens lusitanas e aqui estou, envolvido em renembranças.
    Aguardo a volta ao pó e a passagem da existência, efêmera, para a Vida, esta eterna.
    Já não cobro esperanças.Eis que, ao término de minha jornada, ao fluxo de incertezas e devaneios, identifico a proximidade do encerramento da tarefa existencial. Os sonhos são fatos pretéritos, já não cobro esperanças, estabelece-se o conformismo absoluto, pouco me importam minhas saudades antropológicas, o que possam pensar ou dizer sobre minha pessoa, é indiferente. A auto-estima foi recoberta pela poeira levantada pelo galope dos anos.
    Convenço-me de minha pequenez, satisfaço-me com o nada, embora, jamais haja ultrapassado meus limites. Não me expandi além de meu círculo limitado, para não invadir o de meu semelhante. Concluo feliz. Levo, para a esfera da Vida, esta eterna, o essencial em minha bagagem, modestamente acumulado na existência efêmera. Daí porque, o pouco que pretendi não pesa neste transporte suave e cogente.
    Assumo o que fui, conscientemente, arrependo-me daquilo que quis e deixei de exercer.
    À despeito de críticas, do controle primário e secundário, disponho-me a comparecer diante do TRIBUNAL DIVINO com autenticidade, essa minha companheira solidária e permanente.
    Direi, então: aqui estou, reconhecendo meu procedimento, na medida de meus ínfimos, pequeninos sonhos, limites de muita humildade. Importa-me a consciência de que nada representei, além de mim mesmo!...
COMO ENTENDO DEUS, A ALMA, A EXISTÊNCIA E A VIDA.

       Deus é uma força imanente, fluído impalpável, energia motriz transcendental, entidade superior e anteposta a tudo o que existe, essência de todas as coisas, perfeição, que nos compete encontremos dentro de nós mesmos. Criou-nos à sua imagem e semelhança. À concepção, nos integramos a Ele. É o início de nossa existência, cujo término ocorrerá à morte do soma, volta ao pó.
       A vida é eterna. Com ela voltamos à espiritualidade, da qual viemos, com o devido comprometimento em existências anteriores, estágios de purificação ou agravamentos. Ultrapassado um período, retornamos para novo resgate. Resolvidos os compromissos firmados, cumprimos nova existência, reeditando as anteriores. Assim, as existências são múltiplas; una, a vida.
       A existência se circunscreve a um ciclo específico; a vida contém o espírito.
       O corpo é animado pela alma. Cada morte é volta do corpo ao nada, com a liberação d’alma para a espiritualidade. É alívio.
              Embora tenhamos o livre arbítrio, nosso querer tem seus limites. Os obstáculos, as devesas, os tormentos, têm natureza adversa. O teórico querer é poder é mais literário, aporia.
              Nossa existência é como um barco lançado ao oceano. No leme, ora navegamos mansamente, ora os maremotos nos sacodem contra as ondas fortes e rochedos. Assim, somos marujos precários, néscios.
              Contudo, em nossa individualidade, temos a própria missão. O importante é identificá-la, quase sempre impossível. E, nessa busca incessante, transitamos pelo tempo. Este não passa, passamos por ele, esse cósmico observador. É matemático, estatístico, nos calcula e, de forma geométrica, nos dispõe em seus múltiplos diagramas específicos. Isto porque não aprendemos o avaliar. Noss’alma é incapaz e escrava para sua interpretação.
              Dessa forma, flutua o minúsculo barco, em sua insignificância. E nós, nautas precários, chegamos a nos entender como experimentados marinheiros, quando, na maioria das vezes, não chegamos à consciência de a que viemos e para onde iremos.
           Somos navegantes ao acaso, desde a aurora  até o ocaso. Quando constatamos o fim da jornada, percebemos a busca da agulha magnética na bússola, permanentemente distante e impossível. Navegamos, costumeiramente a barlavento.
       Então, percebemos que as vaidades são humanas, porque os humanos não chegam à capacidade do próprio julgamento, não obstante se arvorem em juízes de atos alheios. Quanta estupidez absurda!...
       Nossos tribunais, com juízes togados, muita empáfia, pouca sabedoria, honestidade e justeza, são, costumeiramente, fator de desagregação da sociedade, de atos abomináveis... São frequentes os casos escabrosos, em que determinados juízes julgam beneficiando os corruptos poderosos, estendendo-lhes a proteção de sua toga. Vejamos o julgamento do próprio Cristo, pelos judeus e romanos.
Enquanto espero, registro momentos coloridos, impregnados de perfume. Eles são tantos, cada um, tem sua importância. Para que não seja tarde demais!...

                             SPCunha   

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