sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

CONTOS CONTINUAÇÃO

  17. VAGUEANDO NA ORLA DO CAMINHO
                                       
É uma velha, antiga, estrada municipal, que liga a cidade ao asfalto Lindóia-Itapira. Atravessando a Mata do Juca Preto, o Bairro das Tabaranas, em direção ao dos Costa, próximo a uma encruzilhada, logo após o Sitio do Romão Massaro, há uma cerca margeando, onde, em noites enluaradas, repete-se uma cena demorada e persistente: uma jovem, vestida de noiva, cabelos e olhos negros, acompanha todo o trajeto, até as imediações do Sítio do Vino Fróes. Caminha a passos largos, vai e volta ansiosa, cabelos tombados aos ombros, abaixo da cintura, em cerimônia curiosa. Pássaros noctívagos esvoaçam das, pousando nas lascas de madeira, que sustentam os fios de arame farpado. Assustam-se com a figura da jovem, compondo a cena esmaecida com as réstias misteriosas da Lua gélida e indagativa. Em tempos pretéritos chamou-se Joana, noiva de Zacarias, um caixeiro-viajante, que a visitava uma vez por mês, numa permanência de quase uma semana, quando ambos costumavam ir à fontinha, pouco acima e, ali sentados, permaneciam horas, desfrutando os doces enlevos da mocidade. Esse romance durou quase dois anos e assumiu comentários e suposições, de tudo, ficando a lenda.
Pronto o vestido de noiva, preparada a festança, convites a toda parte, sacrificados os garrotes, leitões, cabritos, perus e muita galinha gorda para a canja, veio o padre da Paróquia Nossa Senhora das Brotas, os coroinhas Totó, Dinho, as meninas que cantavam no Coro, Nega e
Terezinha, para a marcha nupcial, devendo esta começar na porteira de entrada, entre bambolins e bandeirinhas de papel de seda, coloridas, indo transpor a porta da capela, até, finalmente, o altar. Ali, ajoelhados, deveriam se consagrar um ao outro, na consolidação de uma terna história de amor. De tudo, hoje, a lenda e as aparições aos videntes do espectro de Joana. O noivo não compareceu. Aguardou-se sua chegada, com o Ford Vinte e Nove, Pé de Bode, pneus de faixa branca, impecável e lustroso. Cada ruído da chegada de mais de um veículo, os olhos da jovem se fincavam na encruzilhada, esperança que derreava com a presença de mais um convidado, vindo, às vezes, de longe. Estava tudo preparado, os largos tachos cozinhavam o saboroso alimento, recendia o cheiro apetitoso das carnes assadas no forno da fazenda e no improvisado, este enorme e repleto de assadeiras fartas. Já era tarde, todos sentiam fome, não obstante bandejas de biscoito de polvilho, xícaras de leite e café, que não ofereciam a mesma situação das iguarias, a macarronada e outras comidas deliciosas, anunciadas. Caía a tarde, nada de Zacarias. Joana chorou tanto, nunca deixou de chorar. Uns levaram, para suas casas, algum pedaço de carne. As crianças já se acomodavam nas conduções, enleadas em mantas e outras cobertas.
Foi o término de uma festa, que não começou, na qual não faltou família amiga.
Quando desapontados, todos partiram enigmáticos. Uma sombra escura caiu sobre os montes e vales. A cachoeira gritou forte, como se chorasse solidária aos soluços da noiva rejeitada. Não houve quem não indagasse sobre o indigitado. Um simples olhar à noiva abandonada e ela já respondia: “ele virá”.
Joana acreditou na chegada do noivo, como a criança crê que o pai trará os brinquedos e doces avençados. Prosseguiu à espera, até perder o senso e a juventude, quando a tuberculose lhe extraiu a vida. Morreu pálida e linda. Foi enterrada com o véu de grinalda, buquê de flores de laranjeira, trescalando suave perfume.
Contam os videntes que Joana, todas as noites, ladeia a cerca do caminho, lá pela encruzilhada, aguardando o Ford, conduzido pelo tratante Zacarias.


18. A MANJEDOURA, AS OLIVEIRAS E A CRUZ


(Remorsos da humanidade em soneto e poema)
(Reflexões sobre o nascimento, a pregação e a morte de Jesus)
(A Manjedoura. as Oliveiras e a Cruz eram de madeira)

Em uma manjedoura, tabuleiro,                   
Onde se põe comida aos animais,        
Na companhia de seus pais,                    
Nasceu um filho de humilde carpinteiro,

Olhos verdes, semblante bom, sereno,  
Para adorá-lo, vieram de seus pagos,     
Trazendo mirra, incenso, Três Reis Magos,  
Eram as Boas Vindas ao Nazareno.

Agora, dois milênios são passados,
Nós cometemos os mesmos vis pecados,
Vinte séculos não foram suficientes.
Somos Pilatos, sórdido, arguto,
Sangrando o coracão daquele Justo,
Denegrindo, poluindo nossas mentes.

A Manjedoura, as Oliveiras e a Cruz
(O amor é atributo d’alma, associa os fortes.
O ódio é iníquo, perverso, isola os fracos)

Era uma manjedoura, tabuleiro,
Onde se põe comida aos animais,
Na companhia de seus pais,
Nasceu um filho de humilde carpinteiro.

Olhos verdes, semblante bom, sereno,
Para adorá-lo, vieram de seus pagos,
Trazendo mirra, incenso, Três Reis Magos,
Eram as Boas Vindas ao Nazareno.

Agora, dois milênios são passados,
A manjedoura, o Monte do Calvário,
Eis o pano de fundo, luz, cenário,
Sem redenção de nossos vis pecados.

Do Sermão da Montanha, voz divina,
Da mensagem: amai-vos uns aos outros,
Esqueceram-se os homens, versos soltos,
Não souberam guardar a Obra-Prima!...

Dois mil anos não foram suficientes,
Renovam-se Caifás, eis Barrabás,
Unidos ao Satanás, junto de Anás,
Denegrindo, poluindo nossas mentes.

Somos Pilatos, sórdido, arguto,
A mesma turba, idêntico aparato,
No julgamento estéril, insensato,
Lavando as mãos no próprio sangue de um Justo.

Caminha a humanidade, vã, funérea,
Jesus, ainda, prega no deserto,
Cada vez mais estamos em incerto
Rumo, atitude mórbida, até etérea.

Mas do crime e milagre, ficou o sacrário,
Fac Smile, Filho do Homem, Enviado,
Na cópia positiva do Sagrado
Manto, do Cristo Fé, o Santo Sudário.

A manjedoura, feita de madeira
E dela, fabricada mesmo a Cruz,
Onde um dia, por nós, morreu Jesus,
O Sermão da Montanha, as Oliveiras.

Medíocres queimadores de carvão
Transformamos, em cinzas, a Palavra,
Fizemos, de nós mesmos, dura clava,
Enrijecendo o próprio coração.
Entretanto, há uma réstia de esperança,
Ensinaram-nos nossos ancestrais,
Nunca, jamais, será tarde demais,
Adotar a pureza d’uma criança.

O episodio da Cruz, vem cada dia,
A crucificação é de todo instante,
Ajudamos a matar o pobre infante,
Pisoteamos a Virgem Mãe Maria!..


19. CRIANÇAS
                                               Profa. Aracy Sodré Marchi



Crianças, que na escola eu conheci um dia
E às quais, do puro afeto maternal doei
Uma parte, talvez a mais linda, quem sabe,
Crianças que eu amei!

Quando esta quadra perder-se na neblina,
Do tempo, que veloz desafia a afeição,
Seja qual for a idade, que conteis nessa hora,
Sereis meu coração!

Crianças, que eu amei! Anjos loiros e meigos,
Morenos ou bronzeados,
A pele não importa – Sereis sempre lindos filhos meus,
Batendo à minha porta!

Procurai distinguir, na distância do tempo,
A mestra, que a vós, dedicou afeição,
Puro amor maternal – E vos tem
Encerrados – Dentro do coração!

Ao escrever para vós estas quadras
Singelas, - Palavras, que sentindo o coração
Ditou – Em segredo vos digo,
Meus filhos queridos, Vossa mestra Chorou!


          20. POR TUAS LÁGRIMAS
                       (SPCunha)

       (Pelos teus discípulos)


Não chores, dedicada, doce mestra,
Embora percebamos em seu pranto,
Um purpúreo, vermelho-escuro manto,
O som dolente duma terna orquestra.

Luz diáfana emerge de tua testa
E, de teu vulto esbelto, suave, santo,
Que amamos delirantes, tanto, tanto,
Tremeluzem estrelas, tudo é festa.

Nosso carinho, em ti, logo se apresta,
Somos árvores duma só floresta,
Quais vozes dum sonoro, rico canto.
Não chores dedicada, santa mestra,
Olha bem como toca nossa orquestra,
Eis que te amamos, tanto, tanto, tanto!...



Éramos dez irmãos. Fomos muito felizes, enquanto permanecemos solteiros. Sempre unidos, caminhávamos alegres.
                   Um dia resolvi me casar. Antes que fizesse a primeira burrada, ao conselho paterno, fomos ao fotógrafo. Disse-nos, meu pai, que estava periclitando nossa paz.
                   E aconteceu. Nunca mais tivemos tranquilidade. Foi um desastre total.
                   Houve um tal de casar e descasar. E os que ficaram juntos, não sei por quê?
                   A vida a dois é muito difícil. Duas psicologias diversas, estrutura anterior de família, educação antagônica.
                   Lembro-me, com uma saudade infinita, da casa-sede da Fazenda “São Sebastião”, no Bairro dos Costa. À noite, fechadas as portas e as janelas, nos reuníamos para escutar nossos pais. Eles trabalhavam o dia todo. Antes de irmos dormir, ouvíamos suas histórias e conselhos.
                   Pouco antes da Segunda Grande Guerra Mundial, nosso pai adquiriu um aparelho de rádio. Era uma objeto de madeira, com válvulas, ondas curtas e longas. Custou um conto de réis, uma fortuna. Então, mudou a rotina. Ouvíamos noticiário, música e outros programas. Uma
novidade fantástica. Recordo-me bem do dia em que o Presidente Getúlio Vargas declarou guerra aos países do eixo. Seu discurso foi vibrante. Lamentei não ser homem feito para matar alemães, japoneses e italianos. Meu pai revidou dizendo que eu não poderia imaginar o que fosse uma guerra.
                   Àquela época, por volta de 1942, já era exímio atirador.
                   A grande ufania, a marca de minha existência, foi constituir-
me segurança de meu pai.


                                21. A RAMALHADA


                   Ramalhada – Grande porção de ramos.
                   Ramalhar – Agitar ou sacudir os ramos.
O Sítio “São Benedito”, então, do pessoal da Ramalhada, localizava-se no Bairro das Tabaranas de Baixo, município de Serra Negra, Estado de São Paulo. Cinqüenta alqueires de terras, antiga propriedade de Maria Antonia das Dores, viúva de meu bisavô paterno, José Prisco da Cunha, que se casou, em segundas núpcias com Antonio da Silva Ramos e morreu por volta de 1906. Do primeiro matrimônio nasceram dois filhos: Claudino e Francisco, meu avô. Vieram de São José dos Campos, em 1872, formaram cafeeiros, já com a experiência do Vale do Paraíba.
Maria Antonia das Dores era mulher enérgica e possessiva. Trazia, atreladas ao seu sinto, todas as suas chaves da propriedade. E dominava seus filhos.
Claudino, já moço, engravidara Maria Rita. Nasceu o filho Valêncio. O pai foi ao Cartório e, através de escritura pública, reconheceu o filho. Sua genitora se encontrava, em viagem, em São José dos Campos. Quando voltou, soube dos fatos. Folhas adiante, no mesmo livro, está registrada nova escritura revogando o contido na anterior. E o mancebo diz que sua
mãe, Maria Antonia das Dores, voltando de viagem, não concordara com o reconhecimento.
Examinei, nos livros antigos do Notário, esses sucessos. Então, entendi porque meus parentes gostavam de ramalhar.
Nos meus tempos de menino, meu pai costumava me advertir sobre seus primos. Dizia-me que mantivesse distância deles, eram muito encrenqueiros. Sendo um garoto também encrencado, o efeito foi inverso, sempre tive fascínio por eles. Ao ouvir suas histórias, prestava-lhes muita atenção. Solvia cada palavra. Aprendi até imitar seu modo característico de falar. E sempre agi às claras, diante deles. Sentiam-se felizes e orgulhosos de minhas maneiras. Passei a gozar da simpatia geral.
Minha tia Salomé, esposa e sobrinha do tio Porfírio, era uma mulher bonita, inteligente e culta. Morreu aos noventa anos de idade. Sempre a visitei. Muito especiais nossos colóquios quanto aprendi, com ela, boa parte do que tenho escrito sobre nosso antepassado Bispo, me contou, nas tardes, nas redes da varanda. Preparava-me café e bolinho de chuva. São múltiplas minhas saudades. As horas passavam e minha curiosidade mais se aguçava. Contista inata. Lamento, até hoje, nossa separação, com sua morte, em Campinas.           Dos primos de meu pai, o convívio maior foi com o Claudino e o Walter. Claudino neto do outro. Os dois passaram a se odiar pela existência à fora.
Ambos tiveram sua importância, respectiva.
Houve uma época, após a venda da Fazenda “São Sebastião”, que passava minhas férias, uns tempos na residência do Walter, outros na do Claudino. Vinham amigas de meus parentes de Campinas, quando envidava um relacionamento amoroso com uma ou outra jovem, que lá aparecia. Era uma festa, nos divertíamos muito, dentro das limitações da época. Mais vontade que ação. Não destacarei nomes, evitando constrangimentos. Contudo, foi muito bom. Íamos nos banhar numa cachoeira. Contenção de desejos, quase irrefreáveis, reprimidos, de ambas as partes.
Voltando no tempo... Aos meus nove anos de idade, ia com meu pai visitar os parentes. Ao adentrarmos à propriedade, era invariável, meu genitor me dizia: “as terras do papai são excelentes, mas este trecho de meu tio tem as melhores terras do município”. Ouvi, aquelas assertivas inúmeras vezes. Até que, numa manhã, disse: “um dia, esta merda, será minha”. Ele me reprimiu, não gostava de impropérios. Entretanto, complementou, “será muito difícil, meus parentes são umas pestes, todavia, Deus lhe ajude”. Deus me ajudou, chegou o dia, comprei boa parte da propriedade e, exatamente, naquele ponto, onde conversamos, construí uma casa, um pomar, cocheira para cavalos de raça e tanques de peixes, onde muito pescávamos. Mais tarde, quando voltei de Coimbra, Portugal, vendi a propriedade. Porém, foi minha!...
De tudo, ficou a lembrança, saudade de um passado irrecuperável. Meus parentes me fazem falta. Fazem-me muita falta. Já na idade adulta, em muitas tardes, exausto, ia visitar um de meus primos. Sempre fui bem recebido, lhes levava um bolo ou outro presente. Nunca chegava sem um jornal do dia. Sequiosos de novidades, narrava-lhes as últimas informações. Eram cultos, trocávamos impressões sobre a política local, no País e no exterior. Mostravam-me documentos antigos, inclusive, pareceres de Leonardo Pinto da Cunha, pai do José Prisco da Cunha, Juiz de São José dos Campos, por volta de 1832.
Sempre tínhamos o que conversar. Diálogo inflamado, rico em detalhes e informações.
Hoje, envelheci, restam-me saudades imensas, renembranças de um passado, que se perdeu por detrás da poeira levantada pelo galope dos anos.
Registro estes sucessos, em crônicas esparsas para que, quem sabe daqui a muitos anos, um dos meus descendentes, desligado da existência material escreva sobre o pretérito. Em outro plano espiritual, o acompanharei para que se entenda que a captação de idéias é a arte soberana do culto ao Sumo Belo, Deus. Entidade, da qual fazemos parte.
O que restou da família Ramos é quase nada. Não há expressões. Resta-me relembrar cada momento daqueles tempos felizes de nossas existências

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