quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

CONTOS CONTINUAÇÃO

6. TIROTEIO NA TELA


                Lá pelos meus dez anos de idade, Amélia, minha irmã e eu, viemos passar uns dias na residência de nosso tio Roque Caruso. Deveria me submeter a um tratamento dentário. Eram os tempos em que o nervos dos dentes eram extirpados sem anestesia. Foram dias terríveis. Entretanto, tio Roque assegurou que se me comportasse bem, nos levaria ao cinema, após o tratamento.
                   Certa noite, fomos  ao cinema. Localizava-se na Praça João Pessoa, exatamente no local onde é hoje o prédio e açougue do Dino.
                   Comprados os ingressos, demos entrada. Já havia tido início a exibição. Era um faroeste.  Quando avistei o tiroteio, muita poeira, permaneci perto da cortina, pronto para dar o fora, em quaisquer emergência. O porteiro dizia-me: “pode entrar e sentar-se, não há perigo”, Creio que ali permaneci por umas duas horas, até o término e a saída de meu tio e minha irmã. Para maior desgraça, estivera à porta de um medíocre pulgueiro.


7. DE QUANDO FOMOS PARA O COLÉGIO INTERNO


                   A conclusão de meus pais foi inteligente, responsável e sábia. Éramos muitos irmãos. Herdássemos as terras, restaria uma insignificância para cada um. “Esses índios se transformarão em inimigos. Melhor mandá-los aos estudos” Eis a conclusão de meu pai.
                   Meu pai, Olympio Pinto da Cunha, homem simples, foi um sábio. Certa manhã, disse-me: “sonhei com você, meu filho. Estava a castigá-lo por travessuras, quando estendi a mão vi um remendo em sua calça. Então pensei: “um pai que não pode vestir seus filhos com roupas novas, não tem o direito de surrá-los”.
O rígido lavrador marcava, com suas palavras, um conceito de grandeza, que jamais se apagaria de minha mente. Nos caminhos profissionais, nas ponderações dos critérios de justiça, nada me impressionaria com superação. Meus estudos não me permitiram identificar algo tão profundo.
                   Meu genitor foi meu espelho. Saí-lhe com semelhança na aparência física. Não tive grandeza para imitá-lo no porte moral. Foi magnífico exemplo de existência. Errou quando deixou de me dar umas palmadas. Quem sabe me corrigisse e me tornasse melhor.
                   Com o prospecto nas mãos, minha mãe, Rosária Pires da Cunha, preparou nosso enxoval para o Colégio Diocesano “Santa Maria” de Campinas.
                   Em plenas férias, Benedito e eu fomos para o internato. Era uma tarde, fomos de trole para a Usina, onde passava o ônibus Itapira-Amparo. Às 15:40 horas, pela vez primeira, subimos no pesado veículo, movido a gasogênio, que nos levaria na primeira etapa da viagem. Pernoitamos no Hotel Beraldo, fomos ao cinema, antes visitamos a sogra de meu tio Valêncio e, na manhã seguinte, tomamos o trem para Campinas. Quando lá chegamos, fomos de carro de praça para o Estabelecimento de Ensino, que nos marcaria profundamente.
                   Deveria passar um ano frequentando o Curso de Admissão ao Ginásio. O Prof. Nélson da Silva Ramos, primo do meu pai, alcunhado “Xerife”, Prefeito de Estudos, entendeu que estava apto para os exames ao ingresso no ginásio. Prestei as provas, fui aprovado, era o início do ano de 1945, frequentei a primeira série, quando fui colega, de carteira dupla, de João
Batista Belinazo, o aluno mais destacado de toda a Instituição. Era filho de um pequeno comerciante de uma cidade próxima de Campinas. Chegado o fim do ano confidenciou-me de que seu pai não estava em condições de continuar pagando o Internato e de que deixaria os estudos. Fiquei profundamente revoltado. Ele era o primeiro aluno da classe. Vez ou outra nos visitava. Mandei-lhe o convite de formatura para o dia oito de dezembro de 1.948, no Teatro Municipal. Chegou à tarde, trajava discreto costume, já de calças compridas. À noitinha tomamos o Bonde Doze, do Bosque. Estava nele o Professor Luiz Gonzaga Diniz, nosso paraninfo, que evitou eu batesse a cabeça no poste, ia no estribo, devido a lotação. “Até no dia da formatura, você me dá trabalho”, disse-me carinhosamente. Muitos e muitos anos passados, fomos colegas, com a reforma do ensino, no cargo de Inspetor Escolar, após Supervisor de Ensino. Com muito orgulho relato que o famoso “Leo Batista” do Fantástico, era então o João Batista Belinazo.


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